Dora Lúcia: “Nosso maior ganho foi quebrar a hegemonia”| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

O porcentual de estudantes negros na UFPR mais do que dobrou depois da implantação das cotas. Segundo a advogada Dora Lúcia Bertulio, chefe da Procuradoria Jurídica da UFPR, antes os negros eram apenas 5% nos bancos acadêmicos. Hoje, são 13%. "Nosso maior ganho foi quebrar a hegemonia. Tínhamos quase uma casta de pessoas privilegiadas que chegavam à universidade. Hoje isso mudou", afirma.

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Sobre a polêmica de as vagas para os cotistas não serem preenchidas, a procuradora da UFPR diz que há falta de comunicação entre a universidade e a sociedade. "Um primeiro ponto é que muitos estudantes do ensino médio sequer sabem o que realmente é uma universidade e que as cotas existem", argumenta. Para ela, outro problema é o preconceito, que pode inibir alguns alunos. "Esse movimento contrário às cotas acaba sendo uma nova forma de racismo porque cria o estigma de que o cotista é um aluno burro."

Para o movimento negro no Paraná, o desafio agora é ocupar todas as vagas ofertadas. "No início o debate foi preconceituoso. Agora, nosso desafio é preencher todas as vagas", avalia o presidente da organização não-governamental Associação Cultural de Negritude e Ação Popular dos Agentes de Pastoral de Negros (Acnap), Jaime Tadeu. Ele diz que o movimento negro luta por ações afirmativas desde a década de 60, mas que o governo federal nunca tocou na questão. O grupo tem um cursinho pré-vestibular para afrodescendentes e, de acordo com Tadeu, os estudantes têm um ótimo desempenho. "Quando entram na faculdade, dedicam-se mais e têm melhores notas", diz.

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Transição

A professora Milena Maria Costa Martinez, coordenadora do Grupo de Trabalho de Política Habitacional da Associação dos Professores da UFPR, considera válida a reserva de vagas, mas como política transitória. "Elas cumprem seu papel no momento em que se reconhece que há pessoas fora do sistema educacional, mas não isso não deveria ser uma política definitiva", opina. "O que nos preocupa é o fato de não existirem outras políticas para melhorar as condições da educação básica e da educação fundamental", acrescenta.

A psicóloga e professora da UFPR Tânia Baibich Faria, especialista em preconceito, concorda. "Entendo que a política das cotas tem exatamente a função de imprimir uma ‘carga de positividade’ aos 500 anos de escravidão e suas sequelas contemporâneas, como as divulgadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada no fim de 2008: a expectativa de vida dos brancos é maior, a taxa de analfabetismo é maior entre os negros; o tempo de permanência na escola é maior entre os brancos e as mulheres negras têm renda que é de 34% da dos homens brancos."

Inclusão

O professor Emmanuel Appel, do Departamento de Filosofia da UFPR, participou de discussões para a implantação da reserva de vagas em 2003, quando foi assessor do então ministro da Educação, Cristovam Buarque. Appel argumenta que a igualdade de condições, apontada pelos críticos das cotas, não pode limitar a inclusão social. "É importante lutarmos sempre pela igualdade jurídica, mas podemos ir mais longe, podemos buscar a igualdade social", diz.

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Para Appel, o sistema de cotas é uma medida urgente quando se observa a realidade brasileira. "Acho que ser branco e pobre não é a mesma coisa que ser negro e pobre no Brasil e esta desigualdade não se corrige com igualdade de oportunidades", afirma. "Não posso pedir para um pai negro esperar mais 20 anos para que seus netos tenham acesso ao ensino superior gratuito", afirma.

O coordenador do Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da UFPR, Paulo Vinícius Baptista da Silva, diz que o índice de desistência dos cotistas raciais é três vezes menor do que a média. Já entre os alunos oriundos da escola pública o número de desistências seria a metade dos demais estudantes. "O balanço é positivo na maioria dos aspectos: há uma integração efetiva dos alunos, um rendimento bom e uma boa convivência com alunos de diferentes níveis socio-econômicos, nos mais variados cursos", afirma.