| Foto: Foto: Henry Milléo – Arte: Felipe Lima

Não se assustem com a notícia, dessas capazes de provocar uma grita no mundo literário, ecos na Feira de Frankfurt. Nos altos da Vila Guaíra, em Curitiba, o semiólogo Umberto Eco se casou com a escritora britânica Agatha Christie. Passam bem, a despeito da diferença de idade, de estilo e da distância a que os nubentes estão sujeitos – ele vive em Bolonha, na Itália, e ela em um pacato condomínio celestial.

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As núpcias inauditas foram celebradas por Jean Emmanuel Taborda, 29 anos, morador da vila. Faturista de uma gráfica, é conhecido pelas lides com a literatura de suspense. Sua história é tão enigmática quanto os livros que escreve, quanto os autores que cultua. A ela. Jean tinha 14 anos quando sua mãe – Leonilda – o submeteu a uma espécie de ritual de passagem: deu-lhe para ler O caso dos dez negrinhos, de Agatha Christie, livro que também tinha lido aos 14 anos. "Eu me senti dentro da obra", atesta, com a naturalidade própria dos que se tornaram leitores.

Mas ocorreu que Leonilda não era a única influência na vida de Jean. O avô do guri, Francisco Taborda, rezador e devoto, era dado a levá-lo em visitas a mosteiros aqui e ali, impregnando a alma do neto de incenso e canto gregoriano. Ocorreu que, de ver tantos altares e claustros, tornou-se amante de tudo o que se referia à Idade Média. Acredito que desejava em segredo uma viagem no tempo à Abadia de Cluny do século 10.º.

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Desses temperos sacros resultou O abade das trevas, livro de estreia. Ao concluí-lo, tinha apenas 16 anos, proeza que se tornou pública graças a um capricho do destino: Jean não nasceu nos tempos dos manuscritos, mas do computador. Amigos e parentes baixaram a obra e a distribuíram pelos subterrâneos, dando-lhe existência.

"Eu escrevia inspirado por O Nome da Rosa, de Umberto Eco", conta. E por Agatha, da qual se tornou confrade. Das aproximadas 80 obras da "Duquesa da Morte", calcula ter lido mais de 30, das quais descreve cenas com as argúcias de um perito. Quem o encontrar por um dos muitos sebos da cidade pode ter certeza – anda em busca de um livro raro da senhora Christie.

A vitalidade literária de Jean faz que nos sintamos a mosca da sopa, a lesma do canteiro de rosas. Ele escreve todas as noites, depois do batente, pela madrugada – o que já lhe garantiu sete livros prontos, sendo três publicados por uma editora virtual. Vez em quando se permite mudança de rotina, para assistir a algum filme. De suspense, é claro, hábito adquirido nos anos em que trabalhou como balconista de locadora de vídeo. Tal qual o cineasta Quentin Tarantino, deve muito ao balcão.

Os filmes fazem parte do laboratório do escritor. Precisa saber o que provoca medo nos leitores. Do contrário, desacreditarão de dois personagens que circulam pelas obras mais recentes que produziu – o detetive Max e o sargento Valdisnei, um sedutor e um atrapalhado, nessa ordem. E desdenharão dos assassinos, "figurinhas sempre tão difíceis", tsc, tsc. Criá-los lhe consome. É preciso observar tipos humanos nas ruas, nos shoppings e onde mais puder deitar os olhos. Espécie de "quieto animal da esquina", fica imaginando se aquela senhora com cara de quem saiu da missa pode ser capaz de empunhar uma faca fria nas vísceras de outrem. "Os calmos escondem demônios", avisa.

Mas não tomem Jean por um vampiro letrado. Há na sua obra algo de autobiográfico, questão que trata entrededos. Pigarro. Criado nos rigores da fé católica, cedo experimentou a mais dura das tormentas – a dificuldade de acreditar. Na medida em que os dogmas caíam, mais se entregava à ilusão da alquimia. Tinha 20 anos e estava meio só. Restou-lhe escrever O Templo do guerreiro da luz. Dali em diante, empunharia a pena todos os dias, mandando as palavras pela rede. Preenche assim, com ficção e alguma poesia, o vazio que cedo ou tarde nos assalta. Eis a vida. Eis a arte.

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