"Ronald Reagan estava errado: algumas vezes o setor privado é o problema e o governo é a solução." A frase foi escrita dia desses por Paul Krugman, Nobel de Economia e colunista do mais importante jornal do mundo, o New York Times (a Gazeta do Povo reproduz desde junho as incrivelmente boas colunas de Krugman, todas as segundas, no caderno de Economia).

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No texto, Krugman dizia que os Estados Unidos só não entraram num período de recessão igual ao de 1929 por um único motivo. O governo, hoje, é grande. Ou seja: mesmo com receita menor, o governo continuou pagando a previdência e manteve gastos, o que ajudou a minimizar os efeitos da crise.

Por isso a brincadeira com Reagan, que governou nos anos 80 dizendo que o governo não era a solução – era parte do problema. Depois de Reagan, Bush pai e Bush filho mantiveram pensamento semelhante, reduzindo o governo e apostando que o mercado resolveria os problemas. "E você não está feliz que neste momento o governo está sendo administrado por pessoas que não odeiam o governo?", completa Krugman, em referência ao time de Barack Obama.

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Escrevo isso pensando no caso do pré-sal brasileiro. Nos próximos dias, o país viverá dias decisivos para definir como vai explorar imensas reservas de petróleo recém-descobertas. E percebe-se claramente que existem dois lados em conflito.

O governo brasileiro quer a Petrobras como operadora exclusiva dos poços e pretende encontrar parceiras apenas para a parte financeira da exploração. As empresas estrangeiras dizem que isso é um retrocesso, um novo monopólio, e argumentam que o processo de exploração será mais lento sem uma participação maior das companhias. Nesse modelo, elas podem "não se interessar", dizem, pelo petróleo brasileiro.

É óbvio: as empresas querem o maior lucro possível. E para isso vão dizer o que for necessário. O problema é que a imprensa brasileira está comprando os argumentos das empresas petrolíferas estrangeiras e acreditando desde o princípio que manter a exploração e o dinheiro do petróleo nas mãos de uma empresa nacional é, por definição, ruim.

Matéria da revista Época, por exemplo, diz que é um perigo ter todo o processo nas mãos da Petrobras. Imagine as tentações de seus dirigentes! E como confiaremos a eles contratos bilionários? Depreende-se disso que é péssimo ter uma empresa forte que pertença ao país. Sempre haverá desvios, sempre haverá desmandos. E que dirigentes de empresas não teriam tentações, e seriam totalmente confiáveis na hora de gerir os contratos.

O Estadão fez um longo inventário para chegar à conclusão de que o fim do monopólio da ex­­­ploração, no governo Fer­­­nando Henrique, levou a Pe­­­trobras a seu período áureo. Mas não diz que foi o investimento estatal na exploração, na tecnologia e, inclusive, a proteção à empresa em sua origem, que permitiram chegar até aí.

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É a síndrome do horror ao governo que leva a esse tipo de pensamento. As empresas es­­­trangeiras certamente agiriam melhor e seriam melhores para o país do que a nossa própria em­­­presa especializada? Pre­­­ci­­­samos acreditar nisso?

É claro que as atuais denúncias contra a Petrobras (o ainda mal explicado caso de Lina Vieira, a falta de transparência, o estranho blog da empresa) falam contra a administração estatal. Mas não devemos ser míopes: estamos falando de longo prazo – não de governos, mas de país. É saudável exigir mais transparência e melhor administração. Mas desconfiar de nós mesmos, sempre, e preferir sempre confiar na iniciativa privada estrangeira que – convenhamos, já causou bastantes estragos em vários países com reserva de petróleo – não parece ingenuidade?

A imprensa tem de deixar o horror ao Estado de lado. E ouvir os dois lados sem acreditar, de antemão, que o governo é sempre o problema. Às vezes, ele pode ser a solução.

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