Tempos estranhos esses do século 21. Em 6 de setembro de 1994, o então ministro da Fazenda, Rubens Ricúpero, renunciava ao cargo depois de revelar alguns detalhes sobre o Plano Real em uma entrevista. Sem saber que o áudio do microfone estava aberto, Ricúpero batia um papo animado, informal, com o jornalista Carlos Monforte, cunhado dele, quando disse: “Eu não tenho escrúpulos. Eu acho que é isso mesmo: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.
A nação brasileira caiu em cima. Condenou as declarações e o estrago foi geral. Além da queda de um dos arquitetos do Plano Real, o episódio abalou a campanha eleitoral do ex-ministro Fernando Henrique Cardoso, que perdeu, naquele instante, o primeiro lugar nas pesquisas presidenciais.
Alguma diferença com o momento atual? Hoje há três investigados na Operação Lava Jato no ministério do governo de coalizão nacional de Michel Temer. Até poucos dias tivemos a tentativa de alçar o ex-presidente Lula à chefia da Casa Civil, para que ele escapasse do risco de ser preso pela Força Tarefa que investiga os desvios na Petrobras. Em 16 de março vieram à público interceptações telefônicas em que a presidente afastada, Dilma Rousseff, disse à Lula para só “em caso de necessidade”usar o termo de posse de ministro que estava sendo enviado, algo nunca visto antes na história deste país.
Os dois fatos foram motivo de censura nos meios de comunicação, inclusive com posicionamentos fortes em defesa à Lava Jato. Porém, parte de militantes mais à direita, preferiu ignorar a nomeação dos investigados da cúpula do PMDB da administração Temer. E, pior, os simpatizantes do PT, permaneceram defendendo o comportamento antirrepublicano, absurdo, de Dilma e Lula, mas passaram a atacar, cheios de razão, o ministério do novo governo. Ética flexível não deveria ter lugar na política.
O Brasil de duas décadas atrás ao menos era sincero. Um ministro caía pelos seus desvios verbais. A sociedade se escandalizava e punia o grupo do transgressor. Não tolerava nem mesmo deslizes que sugerissem a prática de comportamentos imorais. A ética pública era levada em conta nas palavras. Hoje a regra é tolerar suspeitos.
A impressão que fica é que algo se perdeu. Não que em 1994 não tivesse corrupção, nem que houvesse tolerância de parte da sociedade com as práticas corruptas. Ao menos com Ricúpero, não houve deixa disso. Naquela época a corrupção não era aceita e nem mesmo defendida com a desenvoltura que hoje parte da população faz, para defender o grupo político do qual se sente parte.
Muitas pesquisas já demonstraram que a razão é distorcida por preferências, emoções e desejos. Mas ninguém expressou melhor essa ideia nesta semana que o Benett. Outro dia publicou uma charge em que aparece uma cabeça genérica e, dentro dela, um cérebro em formato de coração.
Aceitar que a razão não é pura pode ser uma verdade inconveniente para os devotos militantes que flexionam sua ética para aceitar os desvios de seus líderes. Mas mudar esse comportamento é um esforço se a gente quiser conduzir uma política regida por um mínimo de princípios.
Em vez de julgar a realidade movido por paixões partidárias, flexibilizando a ética pública quando convém, o jeito é aplicar sempre, independentemente das afeições pessoais por ideias ou partidos, os mesmos princípios. Mesmo quando os desvios fazem parte do grupo em que nós mais simpatizamos.
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