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Prezada presidente Dilma. Sei que a sra. recebe milhares de cartas todos os dias – cerca de 70 mil por mês, segundo o que se lê por aí – e dificilmente terá tempo de ler esta, mas mesmo assim acho que vale a pena escrever.

Não dá para negar que o seu governo está fazendo várias coisas para tentar salvar o PIB de 2012. Esse lote recorde de restituição do Imposto de Renda é mais uma dessas medidas. É uma boa maneira de colocar dinheiro no bolso do povo: R$ 2,5 bilhões. A Caixa também tem forçado a redução dos juros dos empréstimos e financiamentos, o que vai dar uma grande força para todo mundo gastar um pouco e deixar a economia aquecida. Mas será que conseguiremos crescer neste ano?

Eu não estou querendo apostar na crise, e acho que a sra. age bem quando fala com firmeza que o governo está disposto a usar um "arsenal de providências" para a economia continuar crescendo. Só acho importante manter os pés no chão e olhar as coisas com perspectiva.

Essas desonerações de IPI, por exemplo. As montadoras foram beneficiadas – mais uma vez–, mas esse modelo está próximo do esgotamento. Aqui na Gazeta do Povo publicamos uma reportagem a respeito, no dia 23 de maio. O problema é que as famílias já estão endividadas. O comprometimento chega a 40% da renda anual. Se uma família endividada quiser comprar um carro, das duas uma: ou a instituição financeira não vai liberar o dinheiro, e assim não há venda nenhuma; ou será feita a venda, mas sem garantias concretas que a dívida será paga.

Um amigo contou a história de um estagiário da firma dele que tentou comprar uma geladeira, mas não conseguiu o crediário. Porém na concessionária ele conseguiu comprar um carro! É um pouco perigoso demais, não acha, presidente?

O seu governo já fez desonerações para outros setores, mas parece uma negociação de balcão. Os colegas que trabalham na editoria de Economia estavam dizendo dias atrás: do jeito que está acontecendo, parece que é só chegar aí em Brasília e pedir desconto para algum tributo.

Sei que há excelentes técnicos no Executivo, mas muitas decisões parecem ser tomadas no afogadilho, sem maiores estudos, só para agradar um ou outro setor pontualmente. Mas quais são nossos setores estratégicos, presidente? Esses que têm de receber uma atenção especial.

Nesta semana que passou a sra. também comentou a necessidade de aumentar o nível de investimentos. Eles estão patinando. Se o próprio governo não injeta dinheiro na economia, as empresas privadas, preocupadas apenas no lucro, o farão? A sra., que segue uma linha desenvolvimentista, sabe da importância do papel do Estado na economia. Entendo que as coisas não são tão fáceis, mas com um pouco de conversa imagino (será muita ingenuidade?) que algumas barreiras poderiam ser vencidas.

Por exemplo: o seu governo quer acelerar as obras do PAC, certo? Quer implantar o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para as obras do Programa de Aceleração do Crescimento, para agilizar as licitações, não é? A oposição está chiando muito e não quer aprovar o projeto. Também, incluir uma mudança importante como essa no meio de uma medida provisória qualquer, que não tem nada a ver com obras, só para tentar aprovar rapidamente e sem muita discussão...

Claro que vai haver reclamação. Muitas vezes ela pode ser frutífera, para melhorar alguns pontos antes do projeto virar lei. Mas, para o governo federal não ficar parado muito tempo até desatar esse nó, a sra. poderia chamar governadores e prefeitos – de qualquer partido – que certamente eles a apoiariam. A maioria dos gestores e dos chefes do Executivo, de qualquer nível de governo, tem pavor de licitações, pela burocracia que envolve. Com certeza eles apoiariam algumas mudanças nas compras governamentais.

Ninguém quer eliminar mecanismos de controle do dinheiro público – até porque a sociedade brasileira chegou a um nível em que a transparência é palavra de ordem, e não acredito em nenhum retrocesso, porque simplesmente não aceitaríamos. Mas é claro que podemos modernizar a Lei de Licitações, que é de 1993.

Mas a sra. deve saber que não é só aplicar o RDC que nossa vida estará resolvida. O governo federal precisa, urgentemente, incrementar o investimento, principalmente em infraestrutura. Precisamos de ação. No geral a sra. tem agido bem, está com um alto índice de popularidade, mas precisa se entender melhor com sua base aliada no Congresso. Parece que a sra. não gosta muito de falar com eles e a maioria da população entende, já que grande parte dos parlamentares é movida apenas por interesses próprios. Mas eles são importantes para a aprovação de alguns projetos. Não digo que seja preciso se render ao toma-lá dá-cá que eles fazem, mas a negociação é importante em regimes democráticos.

Dar palpite também faz parte do jogo, mas de repente as pessoas próximas não querem falar nada para a sra., com medo de lhe desagradar. Então, vai aqui esta cartinha, com a melhor das intenções. Saudações.

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