Por trás do bordão “afinal de contas, o nosso povo merece respeito”, usado nos encerramentos de seus discursos nas igrejas e boletins diários na rádio Melodia FM, de programação evangélica, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), construiu uma ampla rede de apoio político no Congresso e no estado do Rio. Seu grupo reúne parlamentares, líderes religiosos e comunitários. E é com esse capital político que o peemedebista conta para se manter firme no cargo diante da denúncia, apresentada semana passada ao Supremo Tribunal Federal (STF), de envolvimento nos desvios investigados na Lava Jato.
Peemedebista conta com arsenal de ‘pautas-bombas’ para atingir o governo Dilma
- rio
- Agência O Globo
Denunciado pelo Ministério Público na quinta-feira (20), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem em mãos munição para atingir o governo Dilma Rousseff. São bombas que vem sendo armadas e podem ser detonadas já neste segundo semestre na Casa, em forma de Propostas de Emenda Constitucional (PECs), projetos de lei, além de 12 pedidos de impeachment pendentes. Entre elas, estão propostas do pacto federativo que têm por objetivo aliviar os cofres de estados e municípios, mas impactando o da União. Com uma base enfraquecida na Casa, o governo terá de enfrentar o desafio de conter o desejo dos deputados em ajudar estados e municípios, principalmente às vésperas das eleições municipais.
Um dos aliados mais fiéis de Cunha, o líder do PSC, André Moura (SE), foi escalado para relatar as emendas do pacto federativo. No caso da PEC 172, que veda criação de despesas para estados e municípios sem fontes de receita, Moura apresentou na terça-feira (18) seu relatório, modificando o texto para deixar claro que a União arcará com os recursos. Diante da ofensiva, o governo apresentou emenda mais ampla que diz que lei só pode impor aumento de despesas à União, aos estados e municípios se houver previsão de custeio.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sustentou que parte da propina destinada ao presidente da Câmara foi paga em doação para uma Assembleia de Deus em Campinas (SP), presidida por Samuel Ferreira, que escreve para o site de Cunha, “Fé em Jesus”. Samuel é irmão do pastor Abner Ferreira, presidente da Assembleia de Deus de Madureira, uma das que o peemedebista frequenta no Rio. A igreja de Campinas recebeu R$ 250 mil das empresas de Julio Camargo, delator que afirmou que o deputado pediu a ele US$ 5 milhões. O parlamentar nega.
Cunha também influencia fiéis fora das dependências da Câmara e dos cultos evangélicos. No mundo virtual, o peemedebista é dono de 284 domínios na internet – muitos já desativados, mas ainda em seu nome –, sendo que 175 deles, mais de 60% do total, possuem a palavra “Jesus” no endereço eletrônico.
Cunha não é de família evangélica. Entrou na Igreja Sara Nossa Terra há cerca de 20 anos levado por Francisco Silva, dono da Rádio Melodia FM. Mas trocou recentemente de denominação religiosa, mudança percebida como estratégia para ampliar seu rebanho. Foi para a Assembleia de Deus, maior e mais influente. A igreja reúne cerca de 13 milhões de seguidores, segundo o IBGE – a Sara Nossa Terra tem pouco mais de 1 milhão de fiéis.
A mudança de denominação credenciou o peemedebista a buscar votos nos templos da Assembleia de Deus e a conquistar a confiança de nomes como Pastor Everaldo – que se candidatou à Presidência no ano passado – e bispo Manoel Ferreira, um dos principais líderes evangélicos Rio.
“Ele tem uma rotina muito puxada quando está no Rio. Vai às igrejas e visita obras de aliados”, diz o deputado federal Washington Reis (PMDB-RJ), um dos fiéis a Cunha.
Alinhado com o público que ajudou a elegê-lo, o peemedebista é defensor das pautas relativas aos direitos da família. É assim que também mantém o apoio dos líderes religiosos, que veem em Cunha um deputado capaz de engavetar projetos que não lhes agradem e de levar adiante propostas que estejam entre suas demandas.
É com base nesse apoio que o peemedebista tem afirmado não ter relação com os escândalos descobertos na Petrobras. Trata as notícias como boatos e mentiras. Mesmo sem falar diretamente sobre o assunto, dá seus recados por meio das mensagens bíblicas. Em sua página no Facebook, posta todos os dias uma delas. Um dia depois de ser denunciado, a passagem da Bíblia foi do livro de Salmos: “Quanto a mim, contemplarei a tua face na Justiça; eu me satisfarei da tua semelhança quando acordar?”.