Uma audiência pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, com apoio do serviço SOS Racismo da Assembleia Legislativa paulista (Alesp), discutiu nesse quinta-feira (23) as violações sofridas por povos indígenas durante a ditadura militar. A sessão foi acompanhada por diversos jovens indígenas. Segundo o deputado estadual Adriano Diogo, presidente da comissão, a audiência foi resultado de uma "pressão da sociedade". "Estamos concluindo os trabalhos e ainda não temos ideia do que aconteceu com os indígenas. A pressão é para que a comissão trabalhe essa questão", assinlou.
Para Marcelo Zelic, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais-SP e coordenador do Projeto Armazém Memória, que reúne documentos e arquivos com foco em direitos humanos, o número de violações a indígenas durante a ditadura é difícil de ser quantificado. Segundo ele, há denúncias de extermínio de índios espalhadas por todo o país. Elas incluem uso de arsênico, bombardeio de aldeias com bombas Napalm para exploração de terras e a inoculação de vírus da varíola para provocar mortes entre os índios. "Os povos indígenas do Brasil foram um dos mais atingidos pela ditadura militar", ressaltou. Acrescentou que, durante o regime militar, muitos índios foram mortos e aldeias destruídas para liberação de terras para construção de rodovias federais, em especial no Amazonas.
Em depoimento, o cacique guarani Timóteo Popygua, da aldeia de Eldorado (SP), disse que seus pais e avós foram vítimas do regime militar. Os pais, segundo ele, viviam em uma região no Paraná. "Meus pais sofrerams abusos, principalmente presos em cadeias e troncos. A razão eram as terras", revelou o cacique em entrevista à Agência Brasil. Popygua afirmou que a violência não foi interrompida após a ditadura. "Sofremos as consequências até hoje nas regiões do Paraná, Santa Catarina e em São Paulo", assinalou.
O cacique defendeu a necessidade de reparação ao povo indígena pela violência sofrida. "Tem de ter uma reparação por essa perda de território e cultura. Nossa luta é para demarcação de nossas terras. Isto significa o fortalecimento cultural e da língua", observou.
Marcelo Zelic também defendeu a demarcação de terras indígenas e a reparação da violência a que eles foram submetidos. "É necessário mudar a política indigenista no Brasil. Precisamos ir além disso. Temos de reconhecer que os índios têm direitos constitucionais. A sociedade precisa reparar as violências e possibilitar o desenvolvimento populacional desses povos e etnias", alertou.
Para o coordenador do SOS Racismo da Alesp, Cícero Almeida, o genocídio e a violência contra os índios durante a ditadura se devia, principalmente, à ocupação de terras. Arqueológo e pesquisador, Luiz Canê Minguê, representante dos índios guaianá, etnia que hoje tem poucos representantes no país, concorda. "Também foi uma questão de resistência, mas a questão principal foram as terras, sistuação que permanece até hoje", lamentou.
Na audiência, a jornalista Memélia Moreira lembrou a condenação do Brasil no IV Tribunal Bertrand Russell, em 1980, pelo genocídio de índios, julgamento a que ela esteve presente. O tribunal, que se reuniu na Holanda para investigar a violação de direitos humanos na América Latina, foi presidido por Mário Juruna (1943-2002), primeiro índio a se eleger deputado federal no Brasil. Dos 47 casos submetidos ao tribunal naquele ano, 14 foram aceitos, entre eles o que condenou o país.
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