A presidente Dilma Rousseff (PT) havia sido reeleita havia apenas dois dias quando perdeu uma votação importante na Câmara, em outubro de 2014. Os deputados anularam um decreto presidencial que obrigava que, em determinados assuntos, decisões governamentais tinham de passar antes por conselhos populares. Era um sinal do que estava por vir. De lá para cá, o Congresso ganhou musculatura e impôs uma série de derrotas para a petista, que culminaram na abertura do processo de impeachment – cujo desfecho, tudo leva a crer, será o afastamento definitivo de Dilma nos próximos dias.
Será com esse Legislativo fortalecido e que assumiu um papel de protagonismo na política nacional que Michel Temer (PMDB), caso seja efetivado no cargo, terá de lidar pelos próximos dois anos e quatro meses. Temer tem armas nas mãos para domar a fera. Mas, também corre riscos de sair ferido.
Impopularidade e “ilegitimidade”
O cientista político Sérgio Praça, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da FGV Rio, afirma que a impopularidade do presidente Michel Temer e a acusação de que o governo dele é ilegítimo não tendem a atrapalhar de forma decisiva sua relação com a base. Esses dois pontos devem ser muito mais o centro do discurso da nova oposição, capitaneada pelo PT. Segundo Praça, o risco maior de desgaste com os aliados, num primeiro momento, será a aprovação das medidas impopulares e ao ajuste fiscal.
Conversa para cafezinho
Analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz afirma que há três formas clássicas de atender aos interesses de deputados e senadores no sistema político brasileiro: liberação da verba de emendas parlamentares, distribuição de cargos e atenção.
Dilma falhou principalmente em abrir o gabinete para oferecer um cafezinho para os políticos. “A presidente não dialogava com o Congresso”, diz Queiroz. Temer começou bem nessa seara, aproveitando-se de sua longa experiência como deputado. “Ele já recebeu mais de 100 parlamentares [durante a interinidade], algo que Dilma não deve ter feito ao longo de seus dois mandatos.”
O cientista político Sérgio Praça, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da FGV Rio, diz que, além disso, a efetivação de Temer tende a fortalecê-lo em relação ao Congresso. “Não haverá mais a ameaça de parlamentares de que podem voltar a apoiar Dilma para mantê-la no cargo caso não tenham seus interesses atendidos.”
Ainda assim, Planalto e Congresso estarão numa situação de equilíbrio de forças. “Temer tem muita força na distribuição de cargos. O Congresso tem força por controlar a agenda legislativa que interessa a Temer”, diz Praça.
Ameaças
Esse delicado equilíbrio, contudo, pode pender para o lado do Congresso e aumentar o custo para Temer manter o apoio parlamentar que conquistou. A aprovação do pacote de ajuste fiscal e de projetos impopulares propostos pelo presidente – reforma da Previdência, teto de gastos para o poder público, reforma trabalhista – serão os primeiros testes para Temer. Segundo Praça, isso vai exigir muita negociação. E possivelmente concessões aos parlamentares.
Antônio Augusto de Queiroz, do Diap, diz que, por outro lado, há um fator que pode ajudar Temer: a atual base é mais alinhada ideologicamente com o Planalto e identificada com seu projeto político do que o antigo bloco de sustentação com Dilma. Os aliados de Temer são, em geral, mais à direita. A base de Dilma tinha partidos de todos os espectros ideológicos.
Um segundo teste de fogo para Temer vai ocorrer em fevereiro, com as eleições para a escolha dos novos presidentes da Câmara e do Senado. O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), afirma que há risco de a base rachar: PSDB e o centrão (grupo de vários partidos da base) já avisaram que sonham com a presidência da Câmara.
Sucesso do novo governo é ameaça para a boa relação com a base
Partidos da base do presidente Michel Temer (PMDB) vivem um dilema: o sucesso do governo do peemedebista pode dificultar ou inviabilizar suas candidaturas presidenciais em 2018. O medo de alguns aliados, como o PSDB, obedece a uma lógica: se o governo der certo, o próprio Temer pode tentar a reeleição. Ou apoiar um candidato que largaria com força. Especula-se que possa ser o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Congressistas entrevistados pela Gazeta do Povo relataram que esse temor já circula nos bastidores de Brasília. “O PSDB e outros partidos estão preocupados com a possibilidade de Temer tentar a reeleição”, disse um deputado da base. Ele acredita, porém, que isso não deve ser um problema na relação do presidente com o Congresso num primeiro momento, pois a sucessão presidencial ainda está longe.
O cientista político David Fleischer, da UnB, tem uma visão diferente. Para ele, até mesmo a aprovação do ajuste fiscal pode ser prejudicada em função da disputa de 2018. Segundo ele, sem o ajuste o governo não teria sucesso e isso facilitaria o lançamento de outros candidatos. “Nem sempre os políticos pensam no que é melhor para o país, mas sim para eles próprios”, afirma Fleischer. E o melhor para eles pode ser dificultar a vida de Temer.
No espelho retrovisor desses políticos está o exemplo do governo do ex-presidente Itamar Franco, que assumiu com o impeachment de Fernando Collor, em 1992. O êxito do Plano Real permitiu que o então ministro da Fazenda de Itamar, Fernando Henrique Cardoso, viabilizasse sua candidatura à Presidência.
“O PSDB está numa situação complicada desde já”, diz o cientista político Sérgio Praça, da FGV Rio. “Ajudou a derrubar a Dilma. É parceiro do Temer nisso. Mas teme o sucesso do governo, com a possibilidade de reeleição do Temer ou a eleição do Meirelles.” Apesar disso, o PSDB não tem muita opção, afirma Praça. Migrar para a oposição ao governo significaria se alinhar com o inimigo n.º 1 dos tucanos: o PT.
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