A Assembleia Legislativa do Paraná viveu a pior semana de toda a sua história, envolvida em denúncias de funcionários fantasmas, atos secretos, contratações irregulares e de um esquema de desvio de dinheiro público. O período foi ainda mais tenso do que agosto de 2001, durante a polêmica votação do projeto de iniciativa popular para revogar a lei que autorizou o governo do estado a privatizar a Companhia Paranaense de Energia (Copel).
Naquela ocasião, o então presidente da Assembleia Legislativa, Hermas Brandão, foi obrigado a suspender a sessão e adiar a votação para a semana seguinte porque estudantes invadiram o prédio, tomaram o plenário e quebraram cadeiras, microfones e mesas.
Para especialistas, a fase negra pela qual o Legislativo está passando que culminou na saída de um dos homens de bastidores mais influentes do meio político paranaense, o ex-diretor geral Abib Miguel é mais grave porque se trata de um racha moral, e não apenas decorrente de posições divergentes. "A crise da última semana foi muito pior porque abala as estruturas de credibilidade da instituição. A sociedade está cobrando respostas e responsabilidades", diz o cientista político Ricardo Oliveira, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Ao mesmo tempo em que as denúncias afetam a imagem pública da Casa e de todos os deputados que estão buscando a reeleição, o especialista avalia que este é um dos principais momentos na história do Parlamento porque dará espaço para a Assembleia "se rediscutir e mostrar sua real importância". "Já saíram medidas positivas. Mostra que houve politização e transparência sobre a Casa, o que não acontecia há décadas".
Os deputados preferem manter silêncio sobre os desdobramentos, mas temem que a próxima semana seja ainda mais desgastante, com novas denúncias que possam atingir o Legislativo e manifestações da sociedade organizada, que, pelo menos até agora, não se mobilizou.
A União Paranaense dos Estudantes (UPE) e a União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes) estão anunciando um protesto na Assembleia Legislativa, na terça-feira, às 13h30. Os estudantes prometem fazer barulho como em outros momentos da história, como o Fora Collor e no caso do Distrito Federal, onde o movimento estudantil fez pressão para afastar o governador José Arruda. "Ficamos enojados ao saber que agricultoras, trabalhadores e trabalhadoras, que mal têm possibilidade de garantir sua alimentação, que vivem com uma renda muito menor que um salário mínimo, foram usados como laranjas em um esquema milionário de corrupção que se instalou nessa Casa", diz a nota que está sendo distribuída pelos estudantes.
A segunda-feira também promete ser tumultuada porque entra em segunda votação o projeto de reajuste salarial para o funcionalismo público. Os deputados estão apreensivos porque a discussão deve atrair servidores para as galerias.
Inferno astral: o diário dos Diários
> Terça-feira
Depois de consultar mais de 700 diários oficiais publicados pela Assembleia Legislativa entre 1998 e 31 de março de 2009, a reportagem da Gazeta do Povo e da RPCTVinforma que mais da metade dos atos oficiais foram publicados em diários avulsos. Os documentos secretos favorecem irregularidades, como o caso das agricultoras Jermina Maria Leal da Silva e a filha dela, Vanilda Leal, moradoras da zona rural de Cerro Azul, que aparecem na lista de funcionários da Assembleia, publicada no ano passado. Elas teriam recebido R$ 1,6 milhão, em cinco anos, mas garantem não ter visto o dinheiro.
Quarta-feira
O Ministério Público do Paraná instaura inquérito para investigar as denúncias realizadas contra o diretor-geral da Assembleia, Abib Miguel, conhecido como Bibinho. O presidente da Casa, Nelson Justus, anuncia o recadastramento anual de todos os servidores e a publicação dos diários oficiais na internet. Reportagens da Gazeta do Povo e da RPCTV mostram uma rede de 20 pessoas ligadas a Bibinho. Alguns nunca deram expediente na Assembleia e mesmo assim receberam altos salários, que chegam a R$ 35 mil. Parte desses servidores prestava serviços particulares a Abib.
Quinta-feira
O diretor-geral Abib Miguel pede afastamento do cargo até a conclusão da investigação aberta pela Casa. Novos integrantes da rede de influência de Abib são mostrados pela Gazeta do Povo e a RPCTV, como o corretor de imóveis Daor Afonso Marins de Oliveira, que aparece como funcionário comissionado da Assembleia na lista de servidores da Casa, mas declarou trabalhar numa imobiliária e ser amigo de Abib Miguel.
Oliveira é tio de Eduardo José Gbur, um taxista que recebeu 65 depósitos da Assembleia, num valor total de R$ 1,2 milhão.
Sexta-feira
Reportagem mostra que pelo menos 36 pessoas receberam salários da Assembleia em janeiro, fevereiro e abril de 2009, mas não em março, e também não aparecem na lista de servidores da Casa, publicada em 1º de abril do ano passado. O número pode ser maior e chegar a 607 pessoas que ficaram de fora. O procurador-geral de Justiça do estado, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, encaminhou ofício à Assembleia pedindo dados sobre pessoas que estariam recebendo salários indevidamente.
Sábado
Investigação revela inchaço dos órgãos que comandam a Casa presidência, primeira secretaria e direção geral.
Só na primeira secretaria, são 125 funcionários à disposição. O presidente Nelson Justus declara, em entrevista exclusiva à RPCTV e Gazeta do Povo, que Abib Miguel não deve retornar para a diretoria geral e que não sabe quem ficou com o dinheiro das agricultoras Jermina Maria Leal da Silva e a filha dela, Vanilda Leal.
Veja entrevista com Nelson Justus: ele diz que o Ministério Público deve apurar as irregularidades e que os responsáveis precisam ser punidos