Um dos autores do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o jurista Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardozo, diz nesta entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que a presidente pode não ter se beneficiado pessoalmente, mas foi corrupta. “Corrupto também (é) aquele que deixou de ter responsabilidade na condução da coisa pública visando ao interesse eleitoral.” O jurista também acusa Dilma de usar a Advocacia-Geral da União em causa própria e rebate os argumentos do ministro-chefe da AGU, José Eduardo Cardozo.
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A defesa do governo diz que não há provas de que a presidente tenha participado diretamente de crime de responsabilidade.
Ela participou diretamente. A responsabilidade pela condução das finanças é sempre do chefe do Executivo. Esses fatos que são atribuídos a ela estão previstos no Código Penal, no artigo 359, na Lei de Responsabilidade, a Lei 1.079, do impeachment, itens do artigo 10 e 11. Ela tinha encontros quase diários com o mentor das pedaladas, o (ex-secretário do Tesouro) Arno Augustin. Era unha e carne com ele. Dilma tinha conhecimento direto da irresponsabilidade de aplicar o populismo fiscal eleitoral.
Não houve provas de que Dilma tenha sido beneficiada pessoalmente. Mesmo assim acha que ela é corrupta?
É corrupta. Corrupto também é aquele que deixou de ter responsabilidade na condução da coisa pública visando ao interesse eleitoral. O que é mais grave para a população em geral: que o (senador e ex-presidente Fernando) Collor tenha se apropriado de um valor de cruzeiros na época ou que ela tenha destruído a economia brasileira? Isso feito graças ao simulacro das pedaladas.
Como avaliou a defesa do governo apresentada pela AGU?
O ministro Cardozo atua como advogado da denunciada, e não em nome da Advocacia-Geral da União. Ele incorre em vários equívocos graves. Repete sempre que há um golpe. Então há um golpe da Ordem dos Advogados do Brasil? Há um golpe de cinco milhões de pessoas que foram às ruas no Brasil três vezes este ano? Há um golpe dos deputados que votaram a admissibilidade do relatório na comissão? Tudo é golpe. Golpe houve quando se estabeleceu que havia um superávit primário e, na verdade, havia um rombo que foi ocultado de forma artificial.
Os governistas questionaram o rito do impeachment e tentaram barrar o processo no STF. O que achou dessa decisão?
É o desespero diante da confirmação de que o impeachment já conta com mais de 342 votos. O PC do B quis discutir firulas e perdeu. O Eduardo Cunha resolveu seguir a regra explícita sobre o regimento: votação alternada e vazia. O STF foi utilizado indevidamente para impedirem a apreciação no plenário da Câmara. Quais as semelhanças e diferenças do processo de impeachment do Collor em 1992 e o atual? Não havia corrupção sistêmica. A corrupção se limitava ao grupo íntimo dele. Aquilo foi bisonho. O PC Farias ficou encarregado de administrar os contratos. Ele extorquia e colocava esse dinheiro em cinco contas falsas, que eram geridas por sua secretaria. Era primitivo. Não havia toda essa engenharia financeira que foi criada pelo PT.
A aposta do PSDB até o fim do ano passado era a cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE. Como prevê que esse tema será tratado se ocorrer o impeachment?
Dilma deve ser julgada pelo TSE em 2017, com recursos do Supremo. Isso será decidido em 2018, praticamente no processo eleitoral. Ou seja: praticamente vai perder objeto. O mandato do Temer estará terminando. É um processo muito lento. Isso vai depender de um grande acordo para que não existam mais turbulências políticas graves para o presidente. Ele pede que suas contas sejam consideradas em separado das de Dilma.
Foi um erro então o PSDB ter insistido nessa tese?
Mais do que os senadores, os deputados quiseram o impeachment, mas não podiam deixar de entrar com a ação eleitoral ainda em 2014. Essa demora muito grande do TSE é prejudicial.
Se Temer for presidente, na ausência dele quem assume é Cunha. Isso não lhe preocupa?
Não é obrigatório que haja vice-presidente. Em viagens de até 15 dias não é obrigatório que se passe a Presidência ao vice. O presidente pode manter o exercício da Presidência mesmo fora do País, ainda mais hoje com todos os meios de comunicação que existem.
Torce para que Cunha seja punido no Conselho de Ética?
Não acompanho o Conselho de Ética, mas ele tem problemas sérios com processos criminais que tramitam no STF. Nunca torci para ninguém ser punido. Eu torço para o Palmeiras.
Que avaliação faz do processo que culmina neste domingo?
A sociedade entrou em cheio na política. Está defendendo o respeito à coisa pública e honestidade. Espero que isso se reflita na conduta da população no cotidiano. Que se respeite a faixa de pedestre, não se fure a fila. Que a valorização da honestidade se insira no cotidiano. Não há uma luta de classes nas ruas. Pessoas humildes estavam nas ruas do Brasil. Houve um processo de amadurecimento político da população brasileira.
Por que os partidos políticos e entidades sociais não conseguiram liderar as manifestações, como ocorreu em 1992?
Houve um afastamento efetivo dos partidos junto à população. O sistema eleitoral levou a esse distanciamento. Houve um monopólio de comunicação do PT junto à população. Há uma crise de representação em todas as democracias. Existe esse fator novo das redes sociais mobilizando a população.
A oposição falhou?
A oposição foi muito omissa e inoperante. O PSDB não só se inclui nisso, como é o principal inoperante. No mensalão o PSDB foi especialmente inoperante. Os líderes na Câmara e Senado são muito atuantes, mas o partido e seus governadores são muito tímidos. Algumas lideranças ficaram muito recolhidas.
Quais?
Não vou citar nomes, mas todos conhecem. Ficaram sempre à espera para saber o que seria mais elegante fazer. Ser líder é saber enfrentar as dificuldades com determinação.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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