Um juiz de 1.ª instância pode interferir em uma decisão do presidente da República, assim como ocorreu com a suspensão da nomeação de Moreira Franco como ministro? A resposta é sim. As três decisões judiciais de 1.ª instância que suspenderam a nomeação foram medidas tomadas após o Judiciário ser provocado por ações populares. Isso foi possível porque o artigo 102 da Constituição Federal, que define as competências do Supremo Tribunal Federal (STF), não coloca o julgamento de ações populares como competência original da instância máxima judicial do país.
As ações foram movidas no Rio de Janeiro, Distrito Federal e Amapá. Em conclusões parecidas, os juízes federais de primeira instância suspenderam a posse de Moreira Franco sob o argumento de que houve desvio de finalidade na nomeação. No entendimento dos magistrados, a nomeação serviria, na verdade, para conceder foro privilegiado ao político que foi citado 34 vezes na delação premiada feita por um executivo da Odebrecht.
Ações propostas eram diferentes
A ação popular do Amapá, por exemplo, foi movida pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ela acabou julgada pelo juiz Anselmo Gonçalves da Silva, da 1.ª vara federal do Estado. O partido do senador, porém, também ingressou com um mandado de segurança contra a nomeação. E esse instrumento é competência originária do STF. O decano, Celso de Mello, relator do caso, determinou na noite da última quinta-feira (9) que o presidente Michel Temer se manifestasse dentro de um prazo de 24 horas para explicar as circunstâncias da nomeação. O PSOL também tem um mandado que será analisado pela corte.
“Do ponto de vista técnico e jurídico, a Constituição Federal define quais temas são de competência do STF. A ação popular, entretanto, não está na lista do artigo 102 como uma das medidas que é de competência originária da corte suprema. Por isso que, para um mesmo assunto, há uma análise sendo feita pelo Celso de Mello e há juízes de 1.º grau [também analisando]. O que diferencia, no caso, é o remédio jurídico utilizado”, explicou Eduardo Faria, coordenador da pós-graduação de Direito Constitucional e Democracia da Universidade Positivo.
Para a professora de direito civil da Universidade Federal do Paraná, Ana Carla Harmatiuk, a urgência dos fatos é que acabam norteando as decisões liminares ou de tutela antecipada concedida por juízes de 1.ª instância. “É um momento histórico e único, no qual qualquer demanda tem batido à porta do judiciário. E o judiciário tem corajosamente agido”, argumentou.
Harmatiuk, entretanto, fez uma ponderação. “Por óbvio, haverá de ter uma reforma legislativa nisso para que haja um equilíbrio. Não podemos, no futuro próximo, ser governados pelo judiciário. Mas é importante ressaltar que nossa democracia está sendo testada e ela está aguentando”.
Não é interferência
Para justificar que duas decisões não configuram interferência do Judiciário em um ato do executivo, os magistrados têm citado o caso do ex-presidente Lula, que teve sua nomeação para ministro chefe da Casa Civil barrada por uma decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes.
“É importante destacar que o referido precedente simboliza o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal de que o afastamento de Ministro de Estado nomeado diante de tais circunstâncias não representa, sob as lentes da separação dos poderes, interferência indevida do Judiciário sobre o Executivo”, escreveu o juiz Eduardo Rocha Penteado, da 14ª Vara Federal do Distrito Federal.
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