Enquanto a PEC do teto de gastos e a reforma da Previdência são patrocinadas pelo Palácio do Planalto e discutidas no Congresso Nacional sob o protesto permanente de movimentos sociais, é do outro canto da Praça dos Três Poderes que surgem medidas concretas e imediatas para reduzir as despesas públicas. Nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou vários temas de repercussão que diminuem a sangria no caixa da União e dos estados.
Veja um resumo das causas bilionárias no STF
Alguns ministros do STF têm assumido, em seus votos, que estão preocupados com a situação econômica do país. Nesse contexto, decidiram que a regra de desaposentação (recálculo da aposentadoria para quem continua trabalhando e contribuindo com o INSS) é inconstitucional, que os dias parados por greve de servidor devem ser descontados do salário e que as desonerações de impostos federais podem sim reduzir repasses a municípios.
Também foi liberado para julgamento o processo que trata do auxílio-moradia para juízes. Além disso, a presidente do STF, Cármen Lúcia, está fazendo reuniões com a comissão dos supersalários do Senado Federal, criada para restringir o pagamento de remunerações acima do teto constitucional. A ministra é crítica ferrenha dos “penduricalhos” que elevam a remuneração no setor público, e pode colocar em pauta algum processo sobre o tema.
Há outras pautas de grande impacto econômico na Corte, como a que trata do fornecimento de medicamentos de alto custo. O tema foi a julgamento em 28 de setembro, mas o ministro Teori Zavascki pediu vista e não há previsão de retorno. Três membros votaram até agora e a preocupação com as finanças foi citada pelo ministro Luís Roberto Barroso. “Não há sistema de saúde que possa resistir a um modelo em que todos os remédios, independentemente do seu custo e impacto financeiro, possam ser oferecidos a todas as pessoas”, afirmou.
Na sessão em que o STF determinou o corte do ponto de servidores grevistas – desde que não haja conduta ilícita do poder público –, o ministro Luiz Fux disse que a medida era necessária tendo em vista possíveis protestos contra o ajuste fiscal do governo. “Estamos em um momento muito difícil, em que se avizinham deflagração de movimentos de greve. Então é preciso estabelecer aqui algum critério para que não permitamos que se possa parar o Brasil”, declarou.
Fux deixou claro o posicionamento do STF no fim de outubro, durante um congresso sobre segurança jurídica. “Hoje, o cenário jurídico gravita em torno do binômio direito e economia”, afirmou. Sobre o julgamento da desaposentação, declarou: “Foram os influxos da economia que levaram o STF a vetar essa possibilidade diante do que hoje a economia exige do magistrado uma postura pragmático-consequencialista”.
O pragmatismo levou o ministro Barroso a dar um voto “sem grande simpatia” à tese de que as isenções fiscais podem sim reduzir o valor do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). “A sociedade brasileira não é mais capaz de sustentar o Estado brasileiro em suas três dimensões– União, estados e municípios”, disse.
Análise: Supremo, tribunal político ou órgão responsável?
Há opiniões divergentes sobre a atuação recente do Supremo Tribunal Federal (STF) em prol das finanças públicas. Para o filósofo Roberto Romano, as decisões têm prejudicado a sociedade, sobretudo as pessoas mais pobres. O economista Alexandre Sobreira Cialdini pondera que o Supremo apenas age com responsabilidade neste momento de crise econômica.
Para Romano, “ao mesmo tempo em que o STF é lento para julgar aqueles que têm prerrogativa de foro, é extremamente rápido em decidir questões que oneram parcela significativa da população”. Segundo ele, em outros momentos históricos, a Corte já agiu assim, e cita o julgamento do seguro apagão, em 2009, como exemplo mais recente. A União teria de restituir os consumidores de energia elétrica em R$ 6 bilhões caso a decisão tivesse sido contrária.
Romano também critica a demora do Judiciário para rever os benefícios pagos que ampliam a própria remuneração. “Por que só agora? Porque o Renan Calheiros resolveu mexer no assunto e, por isso, o STF diz que pode revogar um privilégio que nunca deveria ter existido”, avalia.
Cialdini, que já atuou como secretário de Finanças, concorda com o posicionamento dos ministros. “Entendo que todas as instituições, inclusive o STF, precisam convergir suas ações para o equilíbrio econômico, com justiça fiscal”, afirma. Para ele, atuações assim não podem ser entendidas como favoráveis ao governo A ou B.
O STF e as causas bilionárias
Veja alguns julgamentos de repercussão geral com impacto econômico feitos recentemente pelo STF e outros que aguardam análise:
Julgados
1) Desaposentação: Considerado inviável o recálculo do benefício do aposentado com base em novas contribuições decorrentes da permanência ou volta ao mercado de trabalho.
2) Greve de servidor: Podem ser descontados os dias de paralisação, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do poder público.
3) Redução de repasses: O repasse da União via FPM é feita com base na arrecadação de impostos. Quando há isenção, benefício ou incentivo fiscal, é lícito que a transferência ao município seja reduzida.
Prazo indefinido
1) Auxílio-moradia a juízes: Trata do pagamento de benefício que hoje magistrados de todo o país podem pleitear, sem comprovar no que é usado. Em 2014, quando benefício começou a ser pago, Advocacia-Geral da União (AGU) estimou impacto anual de R$ 350 milhões nas contas públicas.
2) Fornecimento de remédios de alto custo não disponíveis na lista do SUS ou não registrados na Anvisa: Julgamento interrompido por pedido de vista. O Ministério da Saúde projeta gastar até R$ 1,6 bilhão por força de decisões judiciais em 2016.
3) Expurgo dos planos econômicos: Trata do direito a diferenças de correção monetária de depósitos em caderneta de poupança em decorrência de planos econômicos. Quando assumiu a presidência da Corte, em setembro, Cármen Lúcia ouviu dos presidentes dos Tribunais de Justiça que esse é o principal tema a ser julgado. Projeções sobre o impacto disso variam bastante, desde cerca de R$ 8 bilhões, segundo representantes dos poupadores, até R$ 149 bilhões, segundo o Banco Central.