Entre as mais de 30 emendas feitas à Medida Provisória (MP) 735, que trata das privatizações do setor elétrico, uma, em especial, está tirando o sono de ambientalistas brasileiros. O artigo 20 do texto prevê a criação de um “programa de modernização” para implantar novas termelétricas a carvão mineral no país entre 2023 e 2027. A medida foi aprovada pela Câmara e pelo Senado. Agora, cabe ao presidente Michel Temer (PMDB) sancionar ou vetar o artigo.
Em um momento no qual todos os países tentam substituir combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia, o incentivo ao uso do carvão é tido como um retrocesso energético que pode pôr em risco o cumprimento das metas climáticas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris. Esse é principal argumento de ambientalistas de 21 organizações que encaminharam uma carta ao presidente e fizeram um “tuitaço” com as hastags “CarvãoNão” e “NãoSujaTemer” para pressionar a decisão do governo. O próprio ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, recomendou ao Planalto que vete o artigo.
Sem subsídios
No início de outubro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou novas condições de financiamento do setor de energia elétrica que excluem as térmicas a carvão e óleos combustíveis de sua carteira de financiamentos. O banco não vai mais financiar empreendimentos como esses. Em contrapartida, melhorou as condições para as fontes renováveis de energia, como a energia solar, por exemplo, cuja participação no financiamento passou de 70% para 80%.
- O barato que sai caro: subsídios para consumidores e empresas representam 20% da sua conta de luz
- Do lixo à rede elétrica: SP ganha a maior térmica verde da América Latina
- “Novo petróleo”, hidrogênio funciona como um coringa das fontes renováveis
- Eólicas podem suprir 20% da energia do mundo até 2030
Segundo parecer técnico do Ministério do Meio Ambiente, a participação do carvão mineral na matriz energética brasileira é pouco relevante, cerca de 2%, mas suas emissões de gases de efeito estufa são expressivas. Estimativas apontam que o carvão é responsável por 30% a 35% das emissões totais de CO2 – no setor elétrico, o carvão responde por 24% das emissões. Ainda segundo o documento do MMA, as grandes reservas de carvão mineral na Região Sul têm predomínio de “um carvão de baixa qualidade, com elevado teor de cinzas e impurezas”.
Diante disso, a reclamação dos ambientalistas é a de que as emissões do carvão não compensam a sua pequena contribuição na geração de energia. Para ter uma ideia dessa participação, as térmicas a carvão somam 3,6 gigawatts (GW ) em capacidade instalada, uma fatia de apenas 2,3% dos 156,5 GW da potência total do país, detalha Kamyla Borges Cunha, pesquisadora do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).
O programa de estímulo às termelétricas movidas a carvão nacional previsto na MP 735 beneficia os estados do Sul, sobretudo Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que têm polos carboníferos. A proposta do artigo é renovar 1.400 dos 1.750 megawatts (MW) existentes no parque termelétrico da região, elevando a eficiência dos atuais 29% para 36%. No total, o parque térmico nacional a carvão tem 3,6 GW, mas as térmicas do Nordeste importam carvão colombiano ou chinês.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral, Fernando Zancan, o objetivo é modernizar as usinas térmicas do Sul, cuja idade média é de 38 anos, tornando-o mais eficiente e reduzindo as emissões de CO2. “Tem tecnologia para aumentar a eficiência, mas isso vai depender do desenho do programa que o governo vai fazer. O mínimo previsto é de 10% de redução das emissões”, detalha.
Confiante de que o presidente Michel Temer vai sancionar o artigo favorável ao setor carbonífero do Sul, Zancan argumenta que o carvão oferece a energia firme e de baixo custo que o sistema elétrico precisa. Segundo ele, quanto mais se agrega fontes intermitentes à matriz, mais as térmicas vão ganhar espaço. “São as térmicas a carvão e as eólicas que estão segurando o abastecimento no Nordeste”, diz.
Para ambientalistas, contudo, a aprovação da medida vai colocar o Brasil na contramão o resto do mundo, ignorando os esforços para priorizar as fontes renováveis e descarbonizar as economias. “A transformação da matriz elétrica brasileira vai demandar térmicas capazes de atuar em conjunto com as fontes intermitentes, eólica e solar, mas a prioridade, neste caso, seria das usinas movidas a gás natural, e não a carvão. Então, qual a racionalidade por detrás dessa medida? É contraditória, descolada do planejamento do setor”, questiona Kamyla, do Iema.
Um “jabuti” na MP 735
Durante a tramitação da Medida Provisória (MP) 735 na Câmara e no Senado, a medida recebeu uma série de emendas. O artigo 20, que trata da implantação de novas térmicas a carvão no país entre 2023 e 2027, foi, certamente, um dos mais polêmicos. Ambientalistas afirmam que o artigo foi “contrabandeado” para dentro da MP, que trata das privatizações do setor elétrico, por encomenda da indústria carvoeira da região Sul. No jargão político, o artigo foi considerado um jabuti, ou matéria estranha ao objeto original da medida provisória. Na passagem pelo Congresso Nacional, os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e João Capiberibe (PSB-AP) chegaram a apresentar um requerimento para impugnar o artigo, alegando justamente esse motivo, mas enfrentaram resistência dos senadores dos estados do Sul. Na discussão final, deixaram a decisão final para o presidente Michel Temer.
Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM), defende que o artigo 20 é totalmente pertinente à MP 735/16, que, segundo ele, foi editada para reduzir o uso de recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). “A CDE é usada para pagar o combustível das usinas do atual parque térmico a carvão. A MP além de fixar um teto para o desembolso para o carvão, cria, no seu artigo 20, um programa de modernização que viabilizará a renovação do atual parque termelétrico a carvão nacional”, diz.