Depósito de armas destruído em ataque das forças leais ao regime do ditador Kadafi, em Benghazi, cidade dominada pelos rebeldes| Foto: Suhaib Salem/Reuters

Confrontos transformam a Líbia em cenário de guerra civil

Trípoli - O cenário de guerra civil parece cada vez mais próximo na Líbia, que viveu neste sábado mais um dia de violentos confrontos entre as forças leais ao ditador Muamar Kadafi e rebeldes da oposição pelo controle de Zawiyah, cidade próxima à capital Trípoli e sede de uma refinaria. Testemunhas citadas pelos jornalistas estrangeiros no local falavam em um "massacre", com dezenas de mortos e centenas de feridos.

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Europa decidirá novas ações

Os chefes de Estado e de Governo da União Europeia (UE) se reunirão no próximo dia 11 de março, em Bruxelas (Bélgica), em uma cúpula extraordinária para estudar sua resposta à crise na Líbia e no norte da África.

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Muito além de conflitos, norte da África traz exuberância

A costa banhada pelo Mar Medi­­terrâneo é exuberante. O interior, único: abriga o maior deserto do mundo e seus mistérios. Pe­­la re­­gião viveram seres pré-históricos, fenícios, gregos, romanos, árabes, otomanos e europeus que lá deixaram os vestígios de suas passagens. O povo, organizado de modo distinto dos padrões ocidentais, exibe uma cultura peculiar e diversa. Líbia e Tunísia, dois dos países mais chacoalhados pe­­la recentes revoluções árabes, têm muito mais a mostrar do que cenas de turbulência política.

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O ano de 2011 começou quente no mundo árabe, e os mais exaltados já veem nas mudanças ocorridas últimos meses uma irrefreável onda democrática alimentada pelo poder das redes sociais. Será, porém, correto já falar em revolução? A derrocada dos governos da Tunísia e do Egito certamente foram eventos dramáticos que ninguém esperava que acontecesse de forma tão rápida e tão pacífica. Mas provavelmente ainda é cedo para celebrar a chegada definitiva da democracia no mundo árabe.

"Ninguém está arriscando prever o que vai acontecer com os governos da Tunísia e do Egito," comenta Sophie Pommier, uma analista geopolítica francesa especializada no norte da África. "As atuais estruturas de poder podem simplesmente se reciclar com novas caras. Ou um sistema mais democrático pode se implantar de vez nestes países. No momento não é possível saber."

Os motivos do descontentamento no Egito quanto na Tunísia, eram conhecidos: uma população inconformada com a falta de empregos, a estagnação da renda e a corrupção, entre outros fatores. Mas a rapidez com que os protestos geraram resultados certamente pegou os observadores de surpresa. Ainda assim, Pommier alerta que, até agora, em nenhum dos dois países aconteceu o que se pode chamar de revolução. Por isso comparações com os eventos de 1989 na antiga União Soviética podem se mostrar prematuras.

No Egito, especialmente, acredita-se que o Exército, que já era a principal força política do país nos tempos de Hosni Moubarak, é quem continua dando as cartas no país. Líderes militares prometeram fazer em breve uma transição de poder, mas é possível que a mobilização popular tenha sido pouco mais que uma boa desculpa para o setor castrense se livrar de um presidente que havia passado da data de validade e alimentava ambições dinásticas. Nesse caso, a revolução terá sido pouco mais do que um golpe militar oportunista.

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Nada garante também que os novos regimes vão ser mais identificados com os valores pregados pelo mundo ocidental. É até bem possível que aconteça o contrário. Do ponto de vista diplomático, por exemplo, Mubarak, com todos seus defeitos, era claramente pró-Estados Unidos e tinha relações amistosas com Israel. Caso a voz do povo realmente se faça valer nas ruas egípcias, nada descarta a consolidação de um regime bem menos aquiescente com a visão americana para o Oriente Médio.

Por outro lado, a ausência até o momento de apoio ao fundamentalismo islâmico entre as massas que tomaram as ruas do Cairo, Túnis e outras cidades árabes tem sido amplamente comemorada por analistas ocidentais. Ainda assim, analistas temem que o Egito possa se tornar mais alinhado com a linha muçulmana xiita proposta pelo Irã. Uma conclusão bastante difundida é que, no curto prazo ao menos, o governo iraniano emerge como um dos vencedores das mudanças no mundo árabe, ainda que não haja indícios de que tenha influenciado qualquer uma delas.

Reza Aslan, analista do Council of Foreign Relations, em Washington, observa que uma das primeiras medidas notáveis tomadas pelo novo governo egípcio foi permitir que navios de guerra iranianos atravessassem o estratégico Canal de Suez. Um sinal de que o Egito pode não mais ser contado com o instrumento de contenção às ambições iranianas que era sob Mubarak. "O que vamos ver no Egito e outros países da região será uma tentativa de normalizar as relações com o Irã, ao invés de trabalhar para sua contenção," afirma Aslan. Mas ele acredita que, no futuro, o Egito e seus vizinhos podem se tornar países mais próximos do modelo da Turquia, com sua autonomia diplomática, do que de um alinhamento com a teocracia iraniana.

A incerteza é maior na Líbia, onde o clamor popular foi o estopim para a deflagração de tensões tribais latentes que a mão muito pesada de Muamar Kadafi havia manejado reprimir. Pouca gente vai chorar a eventual queda do líder líbio, mas a possível divisão entre tribos rivais de um país que é um importante produtor de petróleo já colocou os mercados internacionais em alerta. Se as revoltas populares continuarem se espalhando e ganharem peso na Arábia Saudita, ambos grandes exportadores do ouro negro, as repercussões para a economia mundial poderiam ser devastadoras.

"Meus contatos na Arábia Saudita até poucos dias atrás achavam impossível que algo do gênero acontecesse lá," afirma Pommier. "Hoje já não estão mais tão seguros disso." Há poucas dúvidas que o mundo árabe vive um momento histórico em 2011. O que ninguém ainda pode cravar é que direção a história vai tomar.

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