Mais de 50 anos após ser lançado, "Eichmann em Jerusalém", de Hannah Arendt, ainda provoca polêmica, tendo acumulado um rol de críticos que continuam a desconstruir o retrato traçado pela filósofa do nazista Adolf Eichmann como exemplo da "banalidade do mal" um burocrata frio, que agiu quase sem pensar e "nunca percebeu o que fazia".
Bettina Stangneth é autora de "Eichmann Before Jerusalem: The Unexamined Life of a Mass Murderer" (Eichmann antes de Jerusalém: a vida não estudada de um assassino em massa), publicado recentemente em tradução inglesa pela Alfred A. Knopf.
Ela não começou querendo se somar aos críticos. Filósofa de Hamburgo, estava interessada na natureza das mentiras.
Em 2000, ela se propôs a escrever um estudo de Eichmann, chefe de Assuntos Judaicos do Terceiro Reich, julgado em Israel em 1961, à luz de dados que apareceram nas últimas décadas.
Então, enquanto lia as memórias e outros depoimentos produzidos por Eichmann enquanto viveu escondido na Argentina após a guerra, Stangneth encontrou uma anotação longa que ele escreveu descartando a filosofia moral de Immanuel Kant.
O texto pareceu contradizer a ideia de Arendt sobre a "incapacidade de pensar" de Eichmann. "Fiquei totalmente chocada", Stangneth comentou. "Não conseguia acreditar que ele fosse capaz de escrever algo assim."
O livro de Stangneth cita vários documentos para apresentar o que, segundo estudiosos, seria o argumento mais definitivo já apresentado em favor da ideia de que Eichmann, enforcado em 1962, não foi o simples cumpridor de ordens que afirmava ser, mas sim um nacional-socialista fanaticamente dedicado à causa.
Se pesquisadores anteriores prejudicaram os argumentos de Hannah Arendt, Stangneth os "pulverizou", disse a historiadora Deborah E. Lipstadt, da Universidade Emory em Atlanta.
"Eichmann não foi um sujeito encarregado por acaso de fazer um trabalho sujo. Exerceu um papel crucial e o fez com engajamento total", disse Lipstadt.
O cerne de "Eichmann Before Jerusalem" é um retrato detalhado de Eichmann e do círculo de ex-nazistas e simpatizantes que o cercava na Argentina. O estudo é baseado em grande parte em materiais que nunca tinham sido examinados, disse Stangneth.
Partindo do trabalho de outros, ela montou o quebra-cabeça dos chamados "Argentina Papers" (Documentos da Argentina), mais de 1.300 páginas de memórias e entrevistas com Eichmann feitas em 1957 pelo holandês Willem Sassen, ex-nazista que morava em Buenos Aires.
Stangneth também descobriu transcrições desconhecidas e encontrou provas de que o círculo de Sassen incluiu mais pessoas do que estudiosos reconheceram.
O círculo de Sassen se reunia quase toda a semana para fornecer materiais para um livro que exporia o Holocausto como um exagero judaico. Mas Eichmann tinha um objetivo contraditório: reivindicar seu lugar na história.
Os fatos que confirmavam a escala do massacre se acumularam à medida que Eichmann relatou os rigores do que descreveu (sem ironia, como Stangneth observa) seu "trabalho arrasador".
Stangneth cita uma diatribe de Eichmann sobre seu "dever ao nosso sangue": "Se 10,3 milhões de inimigos tivessem sido mortos", declarou, aludindo aos judeus, "cumpriríamos nosso dever", assustando seus ouvintes. "Não posso lhes dizer outra coisa, pois é a verdade! Porque a negaria?"
Ouvindo Eichmann antes de Jerusalém, Stangneth vê um mestre manipulador, hábil em fazer a razão voltar-se contra ela própria. "Como filósofa, você quer proteger o pensamento como algo belo. Não quer pensar que alguém é capaz de pensar não ama o pensamento."
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