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Em uma carreira de 20 anos na Organização das Nações Unidas, o príncipe Zeid Ra'ad Zeid al-Hussein teve diversas oportunidades de presenciar a capacidade humana de crueldade, mas nada marcou tanto sua memória quanto duas cenas das guerras dos Bálcãs nos anos 1990.

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Em uma delas, ele viajava em um comboio quando o carro de um combatente paramilitar sérvio-bósnio se emparelhou com o seu. Sobre o capô, o veículo levava a cabeça decepada de uma criança bósnia muçulmana com um capacete azul das forças de paz. Isso e o sofrimento de duas meninas atingidas por um franco-atirador em Sarajevo ainda fazem o alto-comissário de Direitos Humanos da ONU perguntar, duas décadas depois: "Como isso foi possível?".

"Existe um nível de crueldade que é perturbador e vai além de nossa capacidade de compreensão", disse. "Temos de fazer o possível para evitá-lo."

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Um príncipe da família real da Jordânia, Zeid surpreendeu alguns ativistas como defensor dos direitos dos despossuídos. Mas os que conhecem sua carreira aplaudiram a escolha.

"Ele tinha todos os atributos que queríamos", disse o diretor executivo da Human Rights Watch, Kenneth Roth. O príncipe concordou em abandonar seu título.

"Ele é um homem de estatura e de princípios, com um longo e comprovado compromisso com os direitos humanos." Ele também é "realista sobre o que é politicamente possível", acrescentou David Harland, um ex-colega, atribuindo algumas das realizações de Zeid a seu "charme, clareza e uma faca afiada".

A pergunta entre os especialistas era se Zeid usaria seu cargo para criticar em público a má conduta de países, como fez sua antecessora, a jurista sul-africana Navi Pillay, ou optaria pela abordagem tradicional de conversas discretas a portas fechadas. A resposta de Zeid, que está há quatro meses no cargo, parece ser o uso pragmático de todos os instrumentos disponíveis.

Ele conseguiu marcar uma visita oficial aos Estados Unidos, país que, segundo a equipe de Pillay, nunca sequer respondeu a seus pedidos de visita. Ele acredita que as negociações estão avançando para uma visita à China, outro país que nunca recebeu Pillay durante seus seis anos no cargo.

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Ainda assim, as declarações públicas de Zeid têm sido duras: ele condenou a facção Estado Islâmico, denunciou o governo de saída do Sri Lanka por obstruir um inquérito sobre denúncias de crimes de guerra e lembrou os EUA de sua obrigação sob a lei internacional de processar os responsáveis pelas torturas praticadas pela CIA.

Um detalhe que ninguém contou a Zeid antes que ele assumisse o cargo é que seu departamento está quebrado. Ele depende de contribuições voluntárias de países-membros, e alguns veem pouco mérito em bancar um crítico. Mas Zeid resiste aos esforços para limitar seu cargo a uma interpretação estrita de seu mandato. "Se todos nós cumpríssemos rigidamente os mandatos dados por nossos governos, não haveria paz neste planeta", disse.

Zeid chefiou as negociações que levariam à criação do Tribunal Penal Internacional em 2002. "Percebemos desde o início que era a isso que aspiravam os que criaram Nuremberg", lembrou ele, referindo-se aos julgamentos dos criminosos de guerra nazistas depois da Segunda Guerra Mundial. "Este seria um órgão permanente que limitaria os excessos da humanidade na guerra ou na paz."

Essa ainda é uma obra em progresso, mas hoje ele tem a tarefa de fazer os países se responsabilizarem por todo o espectro de direitos. Pôr fim aos conflitos na Síria e no Iraque e ao conflito Israel-Palestina são prioridades, disse Zeid, mas também o são os fracassos de governos que permitem que 6 milhões de crianças com menos de 5 anos morram de doenças evitáveis a cada ano.

"Se o Estado Islâmico matasse 6 milhões de pessoas por ano, você não poderia falar de outra coisa", disse ele. "Então por que não olhamos agressivamente para o direito à saúde?"

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