Qual é o melhor poema de Carlos Drummond de Andrade? Difícil escolher, não é mesmo? Classificar esse poeta de extraordinário é pobreza de vocabulário e de espírito. Afinal, Drummond é... simplesmente Drummond. Vejam estes três versos do magnífico poema "A máquina do mundo": "Abriu-se majestosa e circunspecta,/sem emitir um som que fosse impuro/nem um clarão maior que o tolerável". E notem que são apenas três versos em meio a tantos outros de igual qualidade. Mas deixemos de lado essa crítica impressionista e nos concentremos nos três versos transcritos. Porque foram eles que encontrei no caderno de uma estudante de 1.º ano do ensino médio, servindo de exercício de concordância verbal e nominal!
A tarefa era a seguinte: "Reescreva os três versos abaixo fazendo-os concordar com As máquinas". Pensei que a sacada do exercício estivesse na flexão do infinitivo: as máquinas abriram-se sem EMITIR ou sem EMITIREM som? Errado. Depois pensei que tivesse alguma coisa a ver com as formas verbais "abriu-se/abriram-se", por causa daquela concordância "vendem-se casas", que frequentemente vemos como "vende-se casas". Nada. Havia mais exercícios, com frases do tipo "O menino foi à escola", "A tarefa foi cansativa" etc.
Meu espanto não tem nada a ver com aquela visão que concebe a literatura como objeto sagrado, feita por seres etéreos e com dons excepcionais. Por isso não deve ser tocada por mãos quaisquer. Nada disso. O questionável nesse tipo de tarefa é a forma completamente descontextualizada de se trabalhar questões importantes da nossa língua, como concordância verbal e nominal, tendo a literatura como ponto de partida. No fim de tudo, trata-se apenas das velhas listas de exercícios de concordância, mas envernizadas com alguns versos de Drummond, que não escreveu um poema chamado "As máquinas do mundo".
Adilson Alves é professor.