Beronha acordou com um nó no cerebelo. É, com ele é assim mesmo. E isso o levou a suspeitar, ou melhor, a "achar", que o real motivo da expulsão de Adão e Eva do Paraíso não foi uma prosaica maçã. Mesmo que fosse "aquela" manzana que vinha importada da Argentina em caixas cheirosas, envoltas por finos papéis azuis.
El fruto de la manzanera...
O que era puro "achismo", para ele, virou certeza:
A bronca foi o cigarro...
Natureza Morta, um ecumênico conforme os cânones do momento, não duvidou de imediato, mas quis saber que tipo de cigarro, já que, naquela época, mesmo com o capeta já aprontando das suas, certamente ainda não se imaginava a Souza Cruz ou a Philip Morris. Ou a cigarreira e a piteira.
De fato, concordo. Então seria cigarro de palha... Palha já existia, pois não? E se existia palha, com certeza havia fumo de corda. O problema seria a faquinha para picar o fumo na palma da mão... Mas, logo após, veio o Celestial, precursor do Continental, mais do que uma preferência nacional.
Parece que não foi exatamente isso...
Então, foi o anteprojeto do primeiro pecado capital, fumar escondido...
Tentando falar sério, o solitário da mansão da Vila Piroquinha saiu à cata de exemplos para mostrar ao anti-herói que a cruzada contra o cigarro vem de longe, mas nem tanto, embora ainda mantenha marcas indeléveis:
Observe nos ônibus intermunicipais ou interestaduais. Ainda existe uma plaquinha avisando que é proibido fumar "cigarro de palha, charuto e cachimbo". É que, antes, o cigarro de papel ao contrário do cigarro de palha era permitido. E era chique, tanto que as poltronas tinham cinzeiros nos braços ou nos encostos, para os vizinhos sentados nos bancos de trás. Aí, depois da sentença segundo a qual "o uso do cachimbo deixa a boca torta", foram enfileirando outros males.
Mas a coisa ou o vício era tão arraigada que, até hoje, aparece nos aviões de carreira, com o aviso "apertem os cintos", o famoso e inquisidor X sobre um cigarro, determinando que é proibido fumar. Quem embarca ainda não sabe disso? Muita coisa sumiu, foi extirpada ao longo do tempo.
Que fim tiveram os animados e inventivos "concursos", livres e espontâneos, de expelir fumaça e formar rodinhas concêntricas no ar? Ou a guimba de cigarro assentada na orelha, para a saída do trabalho? Ou os furinhos milimetricamente espalhados com a ponta do cigarro nas toalhas dos botecos? Ou os dedos (indicador e médio) amarelados pela terrível nicotina? Ou as beiradas de balcão calcinadas, lembrando pontas de carvão de resto de incêndio?
A tal lei antifumo pretende sepultar imagens clássicas da humanidade, tais como a do pai nervoso e aflito na sala de espera da maternidade, fazendo fumaça feito uma chaminé.
E tem ainda Chico Buarque, em Meu Caro Amigo:
"Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta/É pirueta pra cavar o ganha-pão/Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro/
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro/
Ninguém segura esse rojão".
Conclusão beronhística:
Com quem dividir a solidão, num cantinho qualquer, senão com a silenciosa fumaça de um cigarro?
Ai de vós, os desterrados.
Francisco Camargo é jornalista.
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