O medo nos paralisa. Qualquer tipo de medo. Mas o medo do ridículo, ah! este é cruel. Porque ele não nos paralisa diante do perigo que ameaça nossa sobrevivência, mas sim diante das pequenas loucuras que nos fazem sentir mais vivos. Por isso só os apaixonados menosprezam o medo do ridículo: neles, a necessidade de se expressar é mais forte; a paixão propulsiona a ação; a paixão exige movimento.

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Os apaixonados são exagerados e é no exagero que está toda a graça e toda a força do que fazem. São corajosos, porque a paixão é como uma droga que nos dopa e nos coloca em um estado de consciência alterado. São João da Cruz, apaixonado por Deus, fez poemas em que exalta a vida e o contato com o divino. O divino era real para ele ("Eu fiquei quieto/Eu esqueci quem eu era/Minha face voltada para a Dele"). Tão forte era sua paixão que concretizou o imaterial: a presença divina.

Sobre o poeta americano Walt Whitman já se disse que era apaixonado pela vida e pelo ser humano. Seus poemas mostram seu deslumbramento com tudo o que o cerca ("Casas e quartos se enchem de perfumes/as estantes estão entulhadas de perfumes/Respiro o aroma eu mesmo, e gosto e o reconheço").

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Aliás, poetas têm tudo para serem ridículos — são exagerados e exibem suas fraquezas (‘Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,/Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo" — Fernando Pessoa). No entanto, só os maus poetas são ridículos. Ou seja, o que nos torna ridículos é o que fazemos das nossas paixões e não o que sentimos e expressamos (no fundo, no fundo, não sentimos todos as mesmas coisas?). Podemos até parecer patéticos se escolhermos uma forma de expressão para a qual não temos talento. Certamente seremos patéticos se sufocarmos as nossas paixões.

Os apaixonados são convictos. Quando agem, estão sendo sinceros. Provavelmente, em algum momento, vão sentir que os outros não os entendem ou pensam que são malucos. Se estiverem verdadeiramente apaixonados, não vão se abalar com a incompreensão. Vão tocar o barco porque não há outra coisa a fazer ("Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada pra você/Você tem que percorrê-la sozinho", escreveu Whitman).

O mundo seria incrivelmente chato, estático, incolor sem os apaixonados. Sumiriam grandes canções, grandes livros, grandes poemas. Sumiriam grandes homens e grandes mulheres que agiram porque acreditavam profundamente na causa que abraçaram. Tudo que é profundo beira o irracional e tudo que é irracional beira o perigo. Temos medo de perder o controle, o que equivale a enlouquecer. Por isso pensamos, pensamos e pensamos. Calculamos os riscos. A paixão, como a loucura, agita o que está escondido lá dentro do nosso peito, invoca a natureza humana e os mistérios do universo. É grande e exagerada. Ela está aí. Ainda bem.

Marleth Silva é jornalista.

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