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Se fosse possível que ao abrir as páginas do jornal você ouvisse uma música (como naqueles cartões de Natal que tocam Jingle Bells), você estaria ouvindo neste momento What a Difference a Day Made, na voz de Dinah Washington. A gravação original que eu gostaria que acompanhasse este texto é de 1959. Era uma versão de um bolero de 1934 composto por uma senhora mexicana chamada Maria Grever. O bolerão ficou chique na voz de Dinah Washington e se tornou uma das músicas mais tocadas nos Estados Unidos e, consequentemente, no mundo. Aparece em uma dúzia de filmes, alguns bem recentes, e foi gravado por várias gerações de cantores, de Tony Bennet e Libertad Lamarque a Luiz Miguel e Jamie Cullum.

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Tudo isso para dizer que esse título — Que diferença Um Dia Fez — é ótimo. Tão bom que, apesar da voz suave de Dinah Washington, do romantismo do bolero e da alegria da letra, me provoca um pouco de medo. Medo daqueles acidentes que mudam a vida de alguém: o avião que cai, um atropelamento, o filho que não volta, um diagnóstico que o médico entrega — que diferença um dia desse tipo faz na vida de alguém... Mas não era nisso que Maria Grever e Dinah Washington pensavam quando cantavam "Vinte e quatro horinhas trouxeram o sol e as flores onde antes chovia". Se fossem falar de desgraça cantariam um tango e não um bolero.

Os dias fazem diferença porque trazem surpresas e esquecimento. O que era forte e perturbador vai ficando ameno, suave, talvez amargo, talvez doce. Olha-se para trás e entende-se o que antes não fazia sentido porque agora todas as pecinhas da história estão lá: começo, meio e fim. É a sabedoria falsa do retrospecto que nos faz dizer "Ah, se antes eu soubesse o que agora sei". Não dava para saber já que você não tinha todas as informações que agora tem. Como diriam Maria e Dinah: Que diferença um dia fez...

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Certa vez ouvi uma monja budista responder a uma pergunta sobre arrependimento que um juiz de Direito lhe fez. Disse ela: o arrependimento por atos desastrados não faz sentido porque é como se uma pessoa muito bem informada (você, hoje) julgasse outra pessoa que não dispõe das mesmas informações (você, ontem). O tal juiz de Direito, que havia levado uns 30 minutos para formular a pergunta fazendo toda a platéia bocejar, ficou com cara de quem não entendeu a resposta, dada em segundos pela monja.

Justiça seja feita à mexicana Maria Grever: como acontece com frequência em casos de músicas que ganham versões americanas, muitas vezes o nome dela nem é citado em gravações de What a Difference a Day Made. Mas parece que ela era um gênio musical, que compôs em torno de 500 canções, sendo que muitas delas caíram no gosto popular. Parece também que era impulsiva: no dia do casamento da irmã, Maria conheceu o americano Grever, que era padrinho do noivo, casou com ele quatro dias depois e foi viver nos Estados Unidos. Não é à toa que acreditava que um dia faz toda a diferença.

Marleth Silva é jornalista.

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