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Entidades divergem sobre liberação do porte de drogas em julgamento

 | Roberto Dziura Jr / Arquivo/Gazeta do Povo
(Foto: Roberto Dziura Jr / Arquivo/Gazeta do Povo)

De um lado, o argumento de que o porte de drogas para consumo próprio não tem efeito sobre terceiros nem vai sobrecarregar o sistema de saúde pública. De outro, a avaliação de que haverá o aumento do consumo de drogas no país e uma guerra pelo controle do tráfico.

Essas foram as teses apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) por 11 entidades que conseguiram participação no julgamento que discute a constitucionalidade da lei que considera crime o porte de entorpecentes.

A proposta do relator deve prever que qualquer pessoa flagrada com drogas seja levada a um juiz para que ele analise, antes de qualquer processo, se ela deve ser enquadrada como usuária ou traficante. Hoje, essa decisão é da polícia.

A favor da liberação

Entre outros temas, as entidades a favor da descriminalização do porte de drogas alegam que esta parte da lei fere os princípios da intimidade e da vida privada, direitos assegurados pela Constituição.

Representante do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o advogado Augusto Botelho defendeu que é preciso alterar a legislação para motivar uma “revisão da política fracassada de drogas no país”.

“Aonde o direito penal alcança essa conduta [consumo pessoal de drogas] se não há em momento algum qualquer dano causado a terceiro? Aquele que usa drogas nada mais faz do que lesionar sua própria saúde”, disse.

“O consumo de drogas é um típico caso de autolesão. Assim como não podemos punir tentativa de suicídio, não podemos punir alguém que lesa apenas sua própria saúde.”

O advogado Pierpaolo Bottini, representante do Viva Rio, afirmou que o Estado não deve criminalizar princípios da intimidade e da vida privada, que são assegurados pela Constituição.

“É estranho ao direito penal qualquer ato praticado dentro da esfera da privacidade”, afirmou o advogado destacando que não há interferência sobre opção sexual, religiosa, por exemplo.

Cristiano Maronna, do Instituto Brasileiro de Ciência Criminais, afirmou que o Estado não pode incriminar condutas que não excedam condutas do próprio autor. É exatamente o caso do porte de drogas para consumo pessoal.

“Associar a legalização a uma lesão na saúde pública é fazer um “salto triplo carpado hermenêutico”. “Tratar adultos como crianças representa um paternalismo penal absolutamente inadmissível”, disse.

Para Rafael Custódio, da Pastoral Carcerária, “a declarada guerra às drogas é uma guerra contra as pessoas, citando como alvo principal jovens pobres negro. “Pesquisas comprovam que o alvo [da criminalização] é muito claro: jovens entre 18 e 29 anos, negros, com escolaridade ate 1º grau e sem antecedentes criminais”, afirmou.

Luciana Boiteux, da Associação Brasileira de Estudos Sociais sobre o Uso de Psicoativos, declarou que é preciso reconhecer que o hábito do consumo psicoativos é um hábito cultural, reconhecido há milhares de anos, não sendo tão pouco um habito atual. “A criminalização do usuário é que é um hábito atual.”

“Temos que pensar no efeito dessa proibição na sociedade, e não trabalhar com abstrações [sobre eventual efeito na saúde pública]”, afirmou.

Contra a liberação

Em outra frente, os contrários à flexibilização da política de drogas defendem que o Estado tem que intervir na questão, sustentam que seria irrelevante a liberação do porte, uma vez que não há ações de prevenção sistematizada e tratamento para a população, nem medidas mais fortes para o combate ao tráfico.

Wladimir Sérgio Reale, representante da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, afirmou que descriminalizar o porte de drogas vai aumentar o consumo e comércio ilegal de drogas, além de provocar uma guerra pelo controle do tráfico.

Segundo Reale, estudos apontam que as drogas ilícitas tenham atualmente 7 milhões de dependentes, sendo que a liberação do porte tem potencial para elevar esse número pra 30 milhões. “Imaginar a possibilidade de liberação do uso e porte de drogas crescerá muito o consumo”, disse.

Rosane Ribeiro, da Central de Articulação das Entidades de Saúde, disse que a liberação vai fortalecer o tráfico de cocaína, heroína, e que o Estado precisa intervir. “O efeito de uma eventual descriminalização trará repercussão negativa para a sociedade. A questão necessita mais reflexão. Que se mantenha a constitucionalidade [do crime do porte de drogas]”, disse a advogada.

“A decisão vai estar manca. A droga vai continuar ilícita”, completou.

Advogado da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, Paulo Fernando Melo da Costa, destacou que a liberação do porte potencializaria o consumo. “Vossas excelências deixariam seus netos com uma babá que portasse duas pedras de crack? Vossas excelências nomeariam assessores que durante o expediente utiliza cocaína no ambiente de trabalho? Não nos parece razoável. Vossas excelências não podem transformar o país numa grande cracolândia.

Cid Vieira, da Federação do Amor Exigente, apontou que a dignidade humana é ferida pelas drogas e a liberação do porte terá impacto no sistema de saúde. “O preço que o Brasil irá pagar, as próximas gerações, será incalculável”.

Davi Azevedo, da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, afirmou que não se pode considerar que são aplicadas penas a quem é flagrada com o porte de entorpecente.

“Não são penas [o que se aplica hoje ao usuário]. O que se aplica de pena restritiva de direito de prestação de serviço à comunidade é nada mais do que uma reinserção social.

“O Estado pode intervir? Óbvio que pode. Não só pode, deve, quando se perde autonomia. E sabemos todos. Podemos usar a retórica, de argumentos, até mesmo de sofismas, mas sabemos muito bem o dano extenso, grave, que produz a drogadição. A família age, a instituição age, definida pela droga. Definida pelos efeitos que a droga causa ao dependente”, completou.

Atualmente, quem é flagrado com drogas para uso próprio está sujeito a penas que incluem advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa. O usuário acaba respondendo em liberdade, mas eventual condenação tira a condição de réu primário.

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