O engenheiro norte-americano Edward Leonard Pine nunca imaginou que conheceria Curitiba. Nascido e criado no estado de Nevada, levava a vida trabalhando em empresas de construção. A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, porém, o trouxe ao Brasil.
Como major do Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA, a missão dele era chefiar a construção do aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais. Uma obra bancada pelo Ministério da Aeronáutica, que recorreu ao know-how dos ianques, que já haviam levantado e reformado bases aéreas no Nordeste brasileiro.
Mito
O local onde está o aeroporto Afonso Pena foi escolhido pelo Ministério da Aeronáutica em 1944 após diversos estudos de relevo e ventos predominantes, por ser relativamente próximo do centro de Curitiba e ter espaço de sobra para o empreendimento e futuras ampliações. Apesar de ser uma região propensa a formações de nevoeiros, em momento algum isso foi colocado como uma espécie de “trunfo de guerra” contra aeronaves inimigas, como foi perpetuada ao longo dos anos. A escolha foi puramente técnica. Leia mais no blog “Aviões em Foco”.
“Em abril de 1944 fui enviado para Curitiba com outros quinze oficiais. Lá construímos duas pistas e no fim fomos condecorados pelo governo brasileiro pelo trabalho que fizemos e pela forma como fizemos”, relatou Pine a um programa de história oral da Universidade de Nevada em 1982.
A obra se prolongou de abril de 1944 a maio de 1945, um período curto para um empreendimento vultuoso para a época: duas pistas asfaltadas de 1.800 metros de comprimento por 45 metros de largura, pistas de táxi, um pátio para aeronaves e um edifício de apoio.
O major Pine e sua equipe tinham experiência, mas a construção de um aeroporto não estava entre as habilidades dos trabalhadores locais contratados pela Cia. Metropolitana de Construções Ltda., de Haroldo Cecil Poland. Alguns trabalhos, como a operação de grandes máquinas, eram feitos pelos norte-americanas, ao menos no início.
O edifício, que seria transformado em estação de passageiros em 24 de janeiro de 1946 ao ser aberto para a aviação comercial, foi o mais simples de toda a obra. O telhado, entretanto, demandou um tipo de ‘funcionário’ bem específico. “As telhas foram feitas por senhoras que moldavam a forma da telha nas pernas para que pudéssemos ter as telhas todas do mesmo tamanho. Só que isso levou um tempo para funcionar porque elas não trabalhavam todos os dias”, lembrou o major.
Inauguração forçada
As péssimas condições do campo de pouso do Bacacheri precipitaram o início do funcionamento do aeroporto Afonso Pena. Uma portaria do Ministério da Aeronáutica transferiu os voos comerciais de um dia para o outro. Assim, em 24 de janeiro de 1946, a improvisada estação recebeu os primeiros passageiros, que reclamavam da ligação terrestre entre o aeroporto e Curitiba, além do alto preço cobrado pelos taxistas.
O empreendimento deixou o Afonso Pena preparado mais para ser uma base militar do que para servir a aviação civil, como era o propósito inicial no início da década de 1940, antes de o Brasil se engajar no conflito. E apesar de não ser um ponto importante na estratégia de guerra dos EUA como o Nordeste, Curitiba poderia mudar de patamar caso os alemães usassem a Argentina para tentar derrubar governos aliados.
“Na hipótese de guerra no cone sul em 1944, a nova base aérea do Afonso Pena com certeza seria elevada à condição de QG da Força Aérea dos EUA no sul do Brasil e se convertido no seu principal ponto de apoio logístico”, opina Dennison de Oliveira, professor do Curso de História da UFPR, autor dos livros Aliança Brasil-EUA: Nova História do Brasil na Segunda Guerra Mundial e Extermine o Inimigo: Blindados Brasileiros na Segunda Guerra Mundial.
Após concluída a obra, no início de maio de 1945, o major Pine e os outros oficiais se despediram de Curitiba e foram enviados para outras bases norte-americanas na América do Sul. E nos pouco mais de quatro meses até que a guerra chegasse ao fim, o aeroporto Afonso Pena não viu sequer um avião pertencente aos Estados Unidos.
Oficial dos Estados Unidos relata resistência dos curitibanos
No primeiro contato, o major Edward Leonard Pine estranhou os curitibanos, em especial pela significativa presença de descendentes alemães, os inimigos de guerra.
“Nós tivemos dificuldade no começo porque eles eram leais à Alemanha. As famílias de muitos deles ainda viviam na Alemanha. E especialmente nas lojas de máquinas tivemos dificuldades para que conseguir que fizessem alguns dos nossos trabalhos. Mas no fim eles concordaram em fazer a obra conosco”, contou Pine.
Essa resistência era comum, e não só em Curitiba, como explica o professor Dennison de Oliveira. “Tratavam-se de membros das forças armadas estadunidenses que, recebendo salários muito acima da média nacional, açambarcavam as melhores moradias disponíveis para locação, lotavam os restaurantes e casas noturnas antes frequentados apenas pelas elites locais e, lógico, exerciam considerável atração sobre todos que prezavam a cultura e a indústria cultural dos EUA, particularmente no que se refere aos indivíduos do sexo feminino.”