O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes votou nesta quinta-feira (20) pela descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, mas ressaltou que isso não significa legalizar a prática. Mendes é o relator do caso em que os ministros discutem a constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas que define como crime adquirir, guardar ou portar drogas para si.
Após a exposição do ministro, o julgamento foi suspenso pelo ministro Luiz Edson Fachin, que pediu vista do processo para analisar com mais profundidade o caso. Não há data para que a discussão seja retomada pelo tribunal.
Atualmente, quem é flagrado com drogas para uso próprio está sujeito a penas que incluem advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa. O usuário acaba respondendo em liberdade, mas eventual condenação tira a condição de réu primário.
Gilmar Mendes defendeu que o porte para uso pessoal esteja sujeito a sanções em caráter civil, e não mais penal, para quem for flagrado com drogas. Entre as medidas estariam prestação de serviço comunitário, advertência verbal e até aulas sobre as implicações e perigos de utilizar entorpecentes.
Segundo ele, ao criminalizar a conduta, “está-se a desrespeitar a decisão da pessoa de colocar em risco a própria saúde”. “Não chego ao ponto de afirmar que exista um direito a se entorpecer irrestritamente”, disse.
“Ainda que o usuário adquira as drogas mediante contato com o traficante, não se pode imputar a ele os malefícios coletivos decorrentes da atividade ilícita. Esses efeitos estão muito afastados da conduta em si do usuário. A ligação é excessivamente remota para atribuir a ela efeitos criminais. Logo, esse resultado está fora do âmbito de imputação penal”, disse o ministro.
O ministro reconhece que é difícil distinguir usuário e traficante e defende uma legislação específica para isso. Enquanto não houver um novo marco, Mendes propõe que o suspeito de tráfico seja apresentado a um juiz para que ele analise se a pessoa deve ser enquadrada como usuária ou traficante. Hoje, essa decisão é da polícia.
Pesquisas
Mendes lançou mão de pesquisas que apontam que parte expressiva dos condenados por porte de drogas em algumas capitais do país portava pequenas quantidades, estavam sozinhos e tinham apenas policiais como testemunhas.
A prisão passa a ser uma possibilidade quando o policial entender que a conduta se qualifica como tráfico, mas terá que haver uma apresentação imediata do preso ao juiz. Para o ministro, cabe a autoridade policial provar que se trata de tráfico.
A FAVOR - Descriminalizar não é fazer apologia às drogas
Confira o artigo de Diogo Busse, advogado, professor universitário e diretor de política sobre drogas da prefeitura de Curitiba.
Leia a matéria completa“A cadeia de produção e consumo de drogas é orientada em direção ao usuário. Ou seja, uma pessoa que é flagrada na posse de drogas pode, muito bem, ter o propósito de consumir. Seria incompatível com a presunção de não-culpabilidade transferir o ônus da prova em desfavor do acusado nesse ponto”, disse.
O ministro concordou com a tese de que a criminalização do porte fere os princípios da intimidade e vida privada do usuário. “Todavia, isso não significa que se lance mão do direito penal para controle do consumo de drogas, em prejuízo de tantas outras medidas de natureza não penal, como, por exemplo, a proibição de consumo em locais públicos, a limitação de quantidade compatível como o uso pessoal, a proibição administrativa de certas drogas sob pena de sanções administrativas, entre outras providências”, disse.
Ele citou estigmatização do usuário de drogas e sustentou que a criminalização do uso não inibe a utilização. Para Mendes, a situação é mais grave diante do maior consumo entre os jovens;que ficariam “rotulados” pelo enquadramento criminal.
CONTRA - Descriminalizar o porte de drogas: roleta russa para os cidadãos
Confira o artigo de Cristina Corso Ruaro, promotora de Justiça e Coordenadora do Projeto Semear de Enfrentamento ao Álcool, Crack e outras Drogas do MP-PR.
Leia a matéria completa“A percepção geral é de que o tratamento criminal aos usuários de drogas alcança, em geral, pessoas em situação de fragilidade econômica, com mais dificuldade em reorganizar suas vidas depois de qualificados como criminosos por condutas que não vão além de mera lesão pessoal. Assim, tenho que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, por ofender o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, de forma claramente desproporcional”, completou.
“Guerra às drogas”
Gilmar Mendes afirmou que, apesar da denominada “guerra às drogas”, é notório o aumento do tráfico nas últimas décadas, mas citou estudo realizado em 2012 mostrando que “em cerca de 20 países que adotaram, nas últimas duas décadas, modelos menos rígido no diz respeito à posse de drogas para uso pessoal, por meio de despenalização ou de descriminalização, constatou-se que em nenhum deles houve grandes alterações na proporção da população que faz uso regular de drogas.”
O ministro apontou que a alternativa à proibição mais em voga na atualidade em discussão no mundo é a não criminalização do porte e uso de pequenas quantidades de drogas, modelo adotado, em maior ou menor grau, por diversos países europeus, Portugal, Espanha, Holanda, Itália, Alemanha e República Checa, entre outros.
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Rosa, defendeu a posição do ministro. Para ele, a proposta fortalece a atenção ao usuário de drogas, ao mesmo tempo em que não afasta o caráter nocivo do consumo.
Para Rosane Ribeiro, da Central de Articulação das Entidades de Saúde (Cades), a mudança pode gerar maior morosidade no andamento dos processos e “não será eficaz na questão de reprimir o consumo”, afirma.
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