Colocado frente a frente com a diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu, na sessão da CPI do Apagão Aéreo, no Senado, o brigadeiro José Carlos Pereira, ex-presidente da Infraero, confirmou apenas parte das denúncias de lobby que fizera. Ele evitou fazer qualquer acusação direta contra Denise, mas confirmou que "havia pressões para levar cargas para Ribeirão Preto" e que a diretora defendeu a idéia "veementemente". Após os depoimentos, o relator da CPI, Demóstenes Torres (DEM-GO), disse que o brigadeiro "amarelou":
- O depoimento da Denise foi artificial. Agora, o brigadeiro amarelou, foi algo terrível. Voltou atrás - afirmou o relator.
O brigadeiro foi demitido após a posse do novo ministro da Defesa, Nelson Jobim. Numa entrevista logo após sua saída do governo, ele acusou Denise de fazer lobby para transferir os setores de cargas dos aeroportos de Congonhas e Guarulhos para Ribeirão Preto para beneficiar o empresário Carlos Ernesto Campos, dono da empresa Taed (Terminais Aduaneiros do Brasil), que ganhou licitação para a construção do terminal de cargas em Ribeirão Preto. O empresário seria amigo de Denise.
- Eu me senti com todo o direito de considerar que a Infraero não poderia perder R$ 200 milhões ou mais de carga aérea em seu rendimento em proveito de uma atividade privada.
A diretora da Anac rebateu as acusações. Negou que seja amiga do empresário Carlos Ernesto e desmentiu o brigadeiro.
- O termo de que isso seria para beneficiar qualquer interesse privado, mediante intermediação, é calunioso. Não tem como transferir, hoje não existe um terminal de cargas no aeroporto internacional de Ribeirão Preto.
Demóstenes Torres, então, quis saber de Pereira se era verdade que não existe terminal de cargas em Ribeirão Preto. O brigadeiro confirmou o que a diretora da Anac disse, mas voltou a falar que há um lobby em curso:
- Existe o interesse enorme em levar, sim, carga para Ribeirão Preto e que esta carga seria retirada de Congonhas e de Guarulhos. E este interesse, senador, é evidente que é do indivíduo que foi lá e ganhou a licitação.
A diretora da Anac afirmou que a transferência é possível, mas só no futuro e para uma pequena quantidade de vôos. Segundo ela, o aeroporto da cidade sequer tem hoje um terminal de cargas.
- Há estudos para que vôos de Congonhas se transfiram para Guarulhos, em seguida para Viracopos. Aí sim uma pequena parcela iria para Ribeirão Preto - contou.
Pereira desconversou ainda sobre o fato de ter chamado Denise Abreu de "terrível":
- É provável que em algum momento eu tenha dito isso, mas foi terrível no bom sentido, querendo dizer que ela joga pesado e defende posições com violência. Tive muitas discussões acaloradas com Denise, mas mantivemos uma relação profissional - minimizou.
Denise diz que foi desconsiderada como ser humano'
Denise Abreu reclamou, durante seu depoimento, da forma como vem sendo tratada desde o início da crise aérea.
- Fui desconsiderada como ser humano. Referem-se a mim como uma coisa. Minha indicação para a Anac vem de uma longa trajetória. Devo ter algumas qualidades que devem ter sido detectadas por algumas dessas pessoas que eu citei - afirmou.
Denise fez um relato de sua carreira, disse ter sido colega de faculdade do ex-ministro José Dirceu, a quem assessorou na Casa Civil, e trabalhou ainda nos governos paulistas de Franco Montoro e Mário Covas. Contou ainda que deixou o posto de concursada na procuradoria de São Paulo para assumir como subchefe na Casa Civil.
Ela fez questão de se explicar sobre a foto em que aparece fumando charuto durante o casamento da filha do ex-deputado Leur Lomanto, também diretor da Anac. O evento ocorreu em 30 de março, mesmo dia em que os controladores cruzaram os braços e pararam os aeroportos do país. A diretora argumentou que aceitou o charuto por cortesia a Leur Lomanto.
- Educadamente, participei do ritual e fui tachada de terrível. Fui exposta como uma mulher insensível à crise aérea e aos transtornos dos usuários. Não fumo charutos. Churchill fumava e veio de uma família humilde. Era um grande estadista - comparou Abreu, ressaltando que, enquanto esteve na festa, manteve contatos com o presidente da Anac, Milton Zuanazzi, e com a área técnica da agência, para acompanhar a crise.
Em nota divulgada após o depoimento, a diretora da Anac informou que vai retirar a interpelação judicial ajuizada contra o ex-presidente da Infraero. A nota diz que Denise tomou a decisão porque, na CPI, o brigadeiro se "retratou publicamente" das declarações dadas ao jornal "O Globo", no início do mês, de que a diretora estaria fazendo lobby.
"Agora, a partir dessas novas declarações, o advogado de Denise Abreu, o criminalista Roberto Podval, deverá dirigir-se ao juiz Alexandre Libonati de Abreu, da 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, onde a ação deu entrada na última sexta-feira, 10, para retirar o pedido de interpelação judicial. Com base neste pedido, o ex-presidente da Infraero precisaria confirmar ou desmentir as declarações que lhe eram atribuídas; se as confirmasse, enfrentaria um processo-crime", diz a nota.
O depoimento da diretora da Anac na CPI do Apagão na Câmara, que também seria nesta quinta, foi adiado para a próxima semana, possivelmente na quinta-feira.
O ex-presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, presta depoimento na CPI do Apagão no Senado - Agência BrasilO ex-presidente da Infraero criticou também a estrutura da Anac, considerando que o sistema de diretoria colegiada, com o mesmo poder de comando, a leva à ineficiência.
- Eu não acredito na eficácia de uma diretoria colegiada, onde todas as pessoas têm a mesma autoridade e onde tudo se decide no voto - afirmou.
Pereira disse que pelo atual modelo, "não há responsáveis e as pessoas não conseguem se entender". Ele defendeu ainda que o Ministério da Defesa precisa exercer comando sobre as Forças Armadas.
O ex-presidente da Infraero disse que os recentes acidentes aéreos expuseram os problemas do setor no Brasil e que falta agora dissecar as companhias aéreas.
- O acidente da Gol levantou o tapete do tráfego aéreo, o acidente da TAM levantou o tapete da infra-estrutura, falta levantar o tapete das companhias aéreas - disse.
O acidente com o avião da TAM, em julho, que matou 199 pessoas em São Paulo, gerou críticas sobre a atuação das companhias aéreas na segurança de vôo. O Airbus da TAM estava com um dos reversos pinado (travado), justamente na turbina que teria ficado em posição de aceleração durante a aterrissagem em Congonhas.
Outra acusação recorrente é de que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) cedeu à pressão das companhias aéreas, sobrecarregando o aeroporto de Congonhas, que após o acidente teve vôos desviados para outros aeroportos.
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse nesta quinta-feira que na próxima semana deverá propor ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma revisão de todo o modelo institucional do setor aéreo , inclusive as competências da Anac.Sobre irregularidades, Pereira diz que 'pegou o bonde andando'
Pereira disse que assumiu a presidência da Infraero em substituição a Carlos Wilson e que encontrou obras interditadas devido a irregularidades.
- Peguei o bonde andando.
Ele admitiu que encontrou muitas obras interditadas por problemas de irregularidades nas licitações, citando o aeroporto de Vitória (ES), onde empreiteiras chegaram a paralisar a obra.
Demóstenes foi quem fez a pergunta sobre o aeroporto, explicando que houve superfaturamento para a construção de uma pista e, por esse motivo, a obra foi suspensa pelo Tribunal de Contas.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”
Deixe sua opinião