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Diz a lenda que um velho dirigente soviético, ao deixar o posto, escreveu duas cartas a seu sucessor. A instrução era para que a primeira fosse aberta na primeira grande crise do governo. A outra carta deveria ficar para a grande crise seguinte.

O novo ocupante do cargo seguiu à risca. Na primeira vez em que seu posto esteve sob perigo, abriu o envelope número um. Lá, encontrou uma única frase: "Ponha a culpa em mim". Seguiu a dica.

Tempos depois, veio a segunda crise. Curioso para ver qual seria a saída desta vez, o dirigente abriu o segundo envelope. A instrução dessa vez era diferente. Dizia o seguinte. "Sente-se, pegue dois envelopes e comece a escrever".

A moral da história é simples. Colocar os erros na conta do sucessor funciona por um tempo. Depois de ter tido a sua chance de mudar o panorama, o governante não tem o direito de ficar eternamente amparado na muleta dos problemas estruturais – ou da herança recebida.

Semana passada, a coluna lembrou que o governador Roberto Requião completa neste ano a marca, inédita na história democrática do estado, de dez anos no poder. E, por incrível que pareça, integrantes do governo continuam colocando a culpa de tudo o que acontece no estado em mandatários anteriores.

"Você lembra quem desmontou o estado e encheu a Educação de temporários?", questiona um assessor governamental ao telefone. Como se os seis anos desde o fim do governo Lerner não fossem suficientes para contratar professores e evitar o constrangimento de alunos sem aulas no começo do ano.

Nesta semana, desde a publicação do último texto apontando as falhas ainda não corrigidas pela atual administração, outros problemas vieram à tona. O mais grave deles, sem dúvida, a falta de merenda nos colégios públicos paranaenses. Um governante que deixa suas crianças se alimentarem de leite condensado diluído em água deveria pensar seriamente em sentar-se à mesa, pegar dois envelopes e...

Mas não é só isso. A Gazeta revelou também que os Institutos Médico Legais do Paraná passam por uma situação de penúria absoluta. Não bastasse a denúncia de que funcionários estariam agenciando funerais em Curitiba – o que é proibido por lei – os médicos se veem obrigados, em alguns casos, a abrir os ossos da cabeça dos cadáveres com serrotes.

Isso inclusive dificulta a resolução de crimes. Coisa que, aliás, deveria preocupar o estado, já que provas técnicas deveriam ser a base de um bom inquérito policial, e não apenas os depoimentos das testemunhas, como costuma acontecer no Paraná.

A cada semana pipocam problemas ligados ao governo do estado. Muitas vezes, os fatos não têm qualquer ligação com corrupção – primeira preocupação que costuma nos vir à mente quando pensamos em política. Dizem respeito é à má gestão dos recursos públicos, à falta de competência técnica para gerir o estado.

E, para esse caso, não existe desculpa possível. Não há como culpar o antecessor.

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