Jornalistas que cobrem política passam boa parte de seu tempo procurando escândalos, principalmente de ordem financeira, em todas as esferas de poder. O mais estranho, porém, é que muitas vezes o escândalo está explícito. São atos feitos à luz do dia, anunciados em sites oficiais e confirmados por todos os envolvidos. E, curiosamente, não causam vergonha a ninguém. É que esses escândalos, embora sejam absolutamente chocantes, são permitidos por lei.
Veja-se o caso da Camargo Corrêa, a empreiteira que virou alvo de uma operação da Polícia Federal nesta semana. Esqueçam-se todas as possíveis ilegalidades que estão sendo investigadas na empresa. Vamos nos concentrar apenas na parte legal de tudo o que foi noticiado pela imprensa.
A parte legal é a doação de dinheiro para candidatos e partidos políticos, uma das especialidades da empreiteira. Nos últimos seis anos, a empresa doou algo perto de R$ 30 milhões para bancar candidaturas de toda espécie: do Partido dos Trabalhadores ao Democratas (antigo PFL, vindo da antiga Arena).
O que está sendo discutido agora é se as doações foram feitas dentro do que manda a lei eleitoral brasileira. Mas a própria doação, pensando bem, é um despropósito. Só para reeleger Gilberto Kassab na prefeitura de São Paulo, a empresa gastou R$ 3 milhões. Só por achar que ele seria o melhor prefeito entre os candidatos? Pensando que a finalidade de uma empresa privada é o lucro, parece estranho, certo?
O que deixa tudo ainda mais estranho, porém, é a política da empresa de apostar em mais de um cavalo ao mesmo tempo, no mesmo páreo. Curitiba foi exemplo disso em 2008. Tanto o prefeito Beto Richa (PSDB) quanto sua principal adversária, Gleisi Hoffmann (PT), receberam recursos da Camargo Corrêa R$ 300 mil e R$ 500 mil, respectivamente.
Mas nesse caso a empresa não pode achar que os dois são, igualmente, a melhor opção para a prefeitura de Curitiba. É claro que existe alguma outra motivação. A empresa estaria decidida a fomentar o debate público a esse ponto? Gastando R$ 30 milhões em seis anos? Seria um caso de civismo louvável.
Quem está acostumado a cobrir, ou mesmo a acompanhar política, certamente dirá que criticar essas apostas múltiplas é ingenuidade, já que isso é fato comum e antigo. Aqui mesmo, no Paraná, um grande empresário local dizia, durante a última campanha para o governo do estado, que pretendia dar dinheiro a todos os quatro principais candidatos ao Palácio Iguaçu, já que eram todos seus amigos! Além do civismo, a lealdade dos amigos!
Mas não deveríamos encarar isso como um fato normal. Deveríamos nos espantar cada vez que vemos uma empresa doar milhões para um político. Deveríamos nos espantar ainda mais quando essas doações são para todos os candidatos que têm alguma chance real de chegar ao poder. Nos fingimos de cegos, e isso está simplesmente errado.
A lei brasileira deveria, no mínimo, barrar doações de empresas que têm interesses econômicos muito óbvios na região da eleição. No caso de Curitiba, por exemplo, a Camargo Corrêa é atualmente a responsável pela coleta de lixo da cidade, por meio da Cavo, e toca a maior obra em execução da capital, a Linha Verde. Será coincidência o interesse cívico da empresa pela administração da cidade?
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