O segundo turno das eleições municipais confirmou a onda negativa para os partidos de esquerda e centro-esquerda no país, sobretudo o PT. O resultado nas urnas reforçou a percepção de parte das lideranças desse espectro político-ideológico de que eles precisam estar unidos em 2018 em torno de um único nome para ter alguma viabilidade na sucessão presidencial. A candidatura do ex-presidente Lula, embora ele ainda tenha força eleitoral, é vista hoje como improvável. E o PDT lançou um nome para ser o candidato da já batizada Frente Ampla: o ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes.
A aliança está sendo constituída a partir dos partidos que integram a Frente Brasil Popular – que é formada por movimentos sociais e pelo PT, PDT e PCdoB. Esse grupo articula ações como as manifestações do “Fora, Temer”, por exemplo. Os três partidos também atuam unidos na oposição ao governo federal no Congresso. Mas o bloco ainda não tem um caráter de coalizão eleitoral – o que iria ocorrer com a Frente Ampla.
Só 18% do eleitorado
A esquerda e a centro-esquerda de oposição ou não alinhada ao governo Temer sofreram uma grande derrota nas eleições municipais. Dos 101 milhões eleitores que compareceram às urnas no primeiro turno, apenas 18,2 milhões votaram em candidatos de partidos desse espectro político (PT, PDT, PCdoB, PSol, Rede e outras siglas nanicas da extrema esquerda) – o equivalente a apenas 18% dos votantes. Além disso, terminado o segundo turno, o resultado final mostra que as siglas da base de Temer vão comandar municípios onde vivem 81% dos eleitores do país.
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Movimento ao centro
A adesão à Frente Ampla de outras siglas de esquerda – como o PSol e a Rede – tem obstáculos. E lideranças da Frente Ampla, diante disso, se movimentam em direção ao centro para tentar agregar outros partidos, apesar de não desistir de conversar com as legendas mais à esquerda.
“A Frente Ampla não é de esquerda, mas de centro-esquerda. Temos de ter partidos do centro para conseguirmos viabilidade”, diz o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi. Segundo ele, embora seja cedo para fechar qualquer aliança para a sucessão presidencial, os pedetistas já conversam com líderes de legendas como o PSB, o PRB e o PSD – que hoje compõem a base aliada do presidente Michel Temer (PMDB).
Presidente nacional do PCdoB, a deputada federal Luciana Santos (PE) afirma que a Frente Ampla pode construir um programa nacionalista que atraia outros partidos, inclusive de centro. Ela aposta que o grupo tem chance na eleição de 2018 diante do cenário possível de que a direita, representada pelo governo Temer, não consiga estabilizar o país e promover a retomada do crescimento econômico.
Luciana Santos vê outras duas oportunidades para o grupo. Um deles seria a rejeição popular às medidas de Temer que retiram direitos da população (como a reforma da Previdência) e que promovem o corte de gastos sociais. A outra é a Operação Lava Jato, que ameaça comprometer a base aliada de Temer e o próprio governo. Sobre o nome do possível candidato, a presidente do PCdoB admite que Ciro é uma alternativa. E, embora ela considere que Lula possa inclusive vir a se tornar inelegível devido a uma eventual condenação judicial, o ex-presidente não é carta fora do baralho.
A Gazeta do Povo procurou a presidência do PT para comentar sobre a Frente Ampla. A assessoria do partido informou apenas que o partido tem agido de forma conjunta com o PDT e o PCdoB, mas que por ora não está discutindo a eleição de 2018.
Análise
O cientista político Mário Sérgio Lepre, da PUCPR, avalia que a esquerda terá de se reconstruir após as eleições municipais. Não só o PT, mas outros partidos desse espectro ideológico acabaram associados ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff e, consequentemente, tiveram prejuízos eleitorais. Nesse sentido, a Frente Ampla pode ser uma alternativa interessante para essas siglas. Lepre considera difícil, porém, que o PT aceite o nome de Ciro Gomes.
Também cientista político, Doacir Quadros, do Grupo Uninter, afirma que a Frente Ampla pode ter uma função de mais longo prazo, mesmo que não vença em 2018: restabelecer a confiança da população nos partidos de esquerda.
PSol e Rede tendem a ter candidatura própria
PSol e Rede, dois partidos de esquerda que não eram alinhados com o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, trabalham com o cenário de lançarem candidatura própria para a sucessão presidencial em 2018.
“Eu digo: a Marina [Silva] é candidata a presidente da República”, afirma o deputado federal Miro Teixeira (Rede-RJ). Marina foi candidata em 2010 e 2014 e ficou na terceira posição nas duas disputas presidenciais. Segundo Miro, a candidatura da ex-senadora e ex-ministra não depende da vontade dela, mas sim do grupo que saiu de outros partidos para fundar a Rede. E o desejo da base da sigla é pela candidatura. “Veio todo mundo para uma luta, e de repente ela não vai [ser candidata à Presidência]?”, questiona o deputado.
Já o PSol admite conversar com a Frente Ampla, sobretudo em torno de pautas de interesse comum no Congresso – tais como a precarização de direitos pelo governo Temer. “Mas nossa tendência é ter candidatura própria em 2018”, diz o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ). O PSol teve candidato nas últimas três eleições presidenciais e vem construindo sua identidade a partir disso.
Frente Ampla do Uruguai é a inspiração
Representantes de partidos mais à esquerda que propõem a união das siglas para disputar a eleição presidencial de 2018 se inspiraram no exemplo da Frente Ampla do Uruguai – coalizão integrada por várias legendas e organizações da sociedade civil de centro-esquerda.
Fundada em 1971, a Frente Ampla foi posta na ilegalidade pela ditadura militar uruguaia nesse mesmo ano. Voltou a se constituir para a disputa da presidência em 1984, já na redemocratização do país. Perdeu outras três eleições presidenciais até vencer, em 2004, com Tabaré Vázquez. Em 2009, o grupo se manteve no poder com a vitória de José Mujica. E, no ano passado, venceu novamente a eleição com a volta de Tabaré ao poder.
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