O Poder Judiciário bem que tentou fazer sua parte, quando assumiu o papel de legislador e estabeleceu a fidelidade partidária no país. As novas regras deram mais poder aos partidos e hoje fazem um político pensar várias antes de se arriscar a sair de uma legenda.
No entanto, a infidelidade existe dentro das próprias siglas. Levantamento do GLOBO ONLINE com base nas principais votações da Câmara nesta legislatura mostra casos de deputados que votaram contra a orientação de seus partidos ou não compareceram a votações importantes em 80%, 90% e até 100% das vezes. O "ranking da desobediência" é liderado por dois deputados do DEM: Lael Varella (MG) e Júlio César (PI). O primeiro votou contra o partido de oposição em quatro de dez oportunidades, ausentando-se nas outras seis. Júlio César, que não foi encontrado para comentar o assunto, também desobedeceu ao DEM quatro vezes, seguiu o partido em uma oportunidade e faltou cinco vezes.
- Eu sigo minha coerência. No caso da CPMF, por exemplo, eu não poderia ser incoerente com o governo FH, quando votei a favor. Eu tenho 68 anos, seis mandatos e tenho responsabilidade - explicou-se, irritado, Lael Varella, insistindo que sempre comunica o líder do DEM antes de desobedecer ao partido.
O presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), lamenta a liderança de seu partido entre os desobedientes, e afirma que, "infelizmente", o estatuto do DEM só prevê punição para casos em que o deputado desrespeita questões programáticas da legenda. Segundo ele, o único caso este ano foi a CPMF, quando três deputados - Varella, Júlio César e Edmar Moreira (MG) - votaram a favor do imposto e agora respodem a processos de punição. Rodrigo Maia aproveita para culpar o governo pela atitude dos "infiéis".
- É claro que não é bom. Alguns parlamentares ainda acham que para ter suas emendas liberadas precisam votar com o governo. Essa pressão tem sido explícita e tem gerado essa distorção. A chantagem tem sido na base da barganha, mas eu não posso da noite para o dia achar que vou mudar a relação entre Legislativo e Executivo, que piorou no governo Lula - afirma.
O DEM, com 59 deputados, tem seis membros que não votaram ou foram contra a orientação do partido em 50% das vezes ou mais. O PMDB, com uma bancada de 93, também tem seis que divergiram em pelo menos metade das vezes. O PSDB (58 deputados) tem um. O PT, cuja bancada tem 81 deputados, não registrou nenhum parlamentar com tal nível de desobediência.
- Essa atitude é sintoma da fragilidade dos partidos. Na medida em que eles não têm postura ideológica coerente e programa claro, os interesses regionais, os grupos econômicos e a influência das bancadas, como a da saúde e a ruralista, acabam exercendo muita força sobre o parlamentar. Mas é preciso diferenciar: algumas vezes o motivo da desobediência é nobre, mas em muitas situações os deputados foram apenas cooptados pelo governo - afirma o analista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice.
Em alguns casos, o freqüente desrespeito às determinações do partido constrange o parlamentar. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) não votou ou se posicionou contra sua legenda em 87,51% das vezes. Admitindo que a desobediência não é confortável, a ex-prefeita de São Paulo afirma ter "muita dificuldade" em seguir a orientação da bancada, alinhada com o governo.
- Eu gostaria que as posições do partido estivessem de acordo com aquilo que eu penso, mas nessa altura da vida não tenho condições de votar automaticamente, sem nenhuma avaliação. Corro risco de ser punida, mas acho melhor do que contrariar minha consciência - afirma Erundina, que, apesar das críticas, não cogita deixar o PSB e argumenta que o partido "é meio, não fim".
Já outros deputados não parecem se incomodar em não seguir seus partidos. De dez votações, Fernando Gabeira (PV-RJ) desobedeceu a sua legenda em cinco e não votou em duas. Ele argumenta que segue o programa do PV e não o que manda a bancada na Câmara.
- Mas não há atrito. Eu já me desliguei da bancada há dois meses. Sou um deputado verde, mas não participo da bancada - informa.
- Eu divirjo de tudo e ninguém reclama disso - complementa Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que não seguiu seu partido em 70% das votações analisadas.
Apesar de o próprio petebista reconhecer que diverge de todas as orientações de seu partido, com uma taxa de infidelidade na casa dos 70%, Arnaldo Faria de Sá não aparece entre os doze maiores infiéis da atual legislatura na Câmara.
Terceiro colocado no "ranking da desobediência", Raul Henry (PMDB-PE) acredita que sua postura é aceita pelo comando do partido pela histórica divisão entre os peemedebistas. Ele nega constrangimentos por não seguir a bancada:
- A adesão do PMDB ao governo foi feita em troca de cargos, em um espetáculo fisiológico. Isso tira a condição do partido de me fazer cobranças - ataca Henry.
Para Cristiano Noronha, muitas vezes os partidos preferem tolerar um número de deputados dissidentes para manter uma bancada satisfatória e com mais poder e regalias dentro da Câmara.
- Será que um partido vai querer expulsar seus parlamentares para perder bancada? Não. Por isso eles não fecham questão sobre assuntos a toda hora, toleram desobediências e às vezes só sugerem como a bancada deve votar, sem exigir - explica.
Com decisão do STF sobre fidelidade, poder dos partidos aumenta
No entanto, para o analista, com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina que os mandatos são dos partidos, o poder das siglas aumenta e as punições ganham força, já que ser expulso do partido pode significar o fim do mandato.
- A partir da definição da fidelidade, os partidos se sentem à vontade para exigir respeito às orientações. No caso da CPMF, o DEM ameaçou com expulsão quem votasse a favor. Os deputados ficam com medo e às vezes se ausentam para não ter que votar com o partido - afirma.
Um sinal dos novos tempos foi a decisão da última sexta-feira do Diretório Nacional do PPS. A legenda oposicionista afirma que são passíveis de expulsão os eleitos que contrariarem as orientações partidárias e que, com a decisão dos tribunais, acredita que conseguirá tomar de volta os mandatos dos infiéis que forem expulsos. A punição vale para faltas a sessões, ausências no momento da votação e abstenções. Essa briga, no entanto, deve ser decidida novamente nos tribunais, já que a expulsão de um parlamentar pelo partido é diferente da migração voluntária dele para outras legendas.
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