Embora tenha recebido mais de 2 milhões de assinaturas de brasileiros, o projeto de lei 4.850/2016, conhecido como “Dez Medidas Contra a Corrupção”, pode ter seu desfecho “a portas fechadas” dentro da comissão especial criada na Câmara dos Deputados para debater o texto.
Parlamentares dispostos a aprovar uma espécie de “anistia” aos políticos que no passado praticaram “caixa 2” insistem que o ponto deve ser tratado dentro do substitutivo ao projeto de lei, elaborado pelo deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS). A ideia, contudo, não é defendida publicamente.
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O relator do texto, que não consegue escapar dos holofotes, até agora tem negado ceder às pressões de colegas. Lorenzoni alega que não pode evitar modificações no projeto de lei quando o texto chegar ao plenário da Câmara dos Deputados, mas garante que, em seu substitutivo, não haverá “anistia”.
Mas, a despeito da posição do relator, um grupo de políticos acredita ainda que, mesmo que a “anistia” não esteja expressamente prevista na nova legislação, o fato de o projeto de lei criminalizar o “caixa 2” já indicaria que a mesma prática cometida no passado ganharia um peso menor, em termos de punição.
As duas teses já circulam nos corredores da Câmara dos Deputados desde o mês passado. Nos últimos dias, também esteve presente em reuniões. Mas, divididos entre aqueles que apoiam a “anistia expressa” e aqueles que acreditam na “anistia automática”, o grupo de parlamentares preocupados em escapar de punições futuras prefere não abordar o assunto publicamente.
A preocupação dos políticos com as punições ao “caixa dois” teria ligação, especialmente, com as delações de funcionários da empreiteira Odebrecht, uma das maiores doadoras de campanhas eleitorais no país. Os acordos de colaboração, no âmbito da Lava Jato, podem ser homologados entre o final deste ano e o início de 2017.
Contraste
A votação do substitutivo de Lorenzoni, dentro da comissão especial criada na Câmara dos Deputados para a discussão do projeto de lei, deve ocorrer na próxima terça-feira (22). Se aprovado, o texto já pode entrar na pauta do plenário da Casa.
O desfecho, em meio a conversas de bastidores para preservar políticos que praticaram “caixa 2”, contrasta com os meses de trabalho da comissão, que chegou a ouvir mais de 100 pessoas para debater o tema em audiências públicas – inclusive especialistas frontalmente contrários ao projeto de lei, alegando, entre outras coisas, a supressão de direitos constitucionais.
A falta de transparência da etapa final da comissão especial das “Dez Medidas” também contrasta com a forma como a matéria chegou ao Legislativo, em março deste ano. De iniciativa popular, mas capitaneado pelos investigadores da Lava Jato em Curitiba, o projeto de lei acabou sendo incorporado institucionalmente pelo Ministério Público Federal (MPF) e divulgado em panfletos, adesivos, painéis.
Pessoalmente empenhado na proposição, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, repetiu em palestras realizadas ao longo de 2015 que a proposta servirá para combater a “corrupção sistêmica” presente no país.
MPF se mostra preocupado com possível “blindagem” do Congresso Nacional
- Laura Beal Bordin
Os procuradores do MPF, que sempre buscaram comparar a Operação Lava Jato à Operação Mãos Limpas, da Itália, tem participado das discussões do projeto de lei das “Dez Medidas Contra a Corrupção” de perto, na tentativa que a investigação brasileira não tenha o mesmo fim da italiana. No país europeu, a operação terminou com uma “blindagem” da classe política, com a aprovação de leis que dificultaram as investigações.
Por aqui, os procuradores acompanham de perto a comissão que analisa o chamado pacote anticorrupção e o clima parece ser de apreensão. No momento, a discussão sobre troca de membros da comissão, a “anistia do caixa 2” preocupam os membros do MPF.
O procurador Deltan Dallagnol foi até Brasília, demonstrando que o MPF está com os olhos bem abertos para qualquer tentativa de barrar o projeto. Em sua página no Facebook, Dallagnol chamou de “manobras de líderes partidários” a tentativa de mudança dos deputados na comissão. “É um desrespeito com os 200 milhões de brasileiros que querem um processo de discussão e aperfeiçoamento legítimo no Legislativo - basta dizer que esses deputados ouviram mais de 100 pessoas”, diz o texto. O procurador ainda afirmou se sentir desrespeitado como cidadão.
No Rio de Janeiro, o procurador Athayde Ribeiro da Costa, que faz parte da força-tarefa, também fez um “clamor” para que a sociedade “volte os olhos para o Congresso Nacional”. Costa fez parte da Operação Calicute, que prendeu o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), e afirmou que se as investigações forem abafadas por manobras, a Lava Jato nunca teria acontecido.“O Ministério Público renova o clamor para que a sociedade brasileira fique atenta. Não podemos permitir que a corrupção se perpetue. Temos que avançar em matéria de combate à corrupção e não retroceder”, disse.