Um dia após a vitória do aliado Rafael Greca (PMN) na disputa pela prefeitura de Curitiba, o governador Beto Richa (PSDB) anunciou que voltará a subsidiar o transporte público da capital. O fim do subsídio é o principal ingrediente do desentendimento entre Richa e o prefeito Gustavo Fruet (PDT), que levou ao fim da integração financeira da Rede Integrada de Transporte (RIT) ; o anúncio da volta dele, por sua vezes, detonou uma guerra verbal entre ambos. O episódio, porém, é apenas mais um capítulo na história de como o sistema de ônibus é usado para fazer política na capital.
Recontar a história exige uma volta ao início dos anos 1980, quando Jaime Lerner, então prefeito nomeado pela ditadura militar, prorrogou por dez anos o contrato das empresas que operavam o transporte curitibano – várias delas, aliás, prestam o serviço até hoje. Lerner, anotava em 1980 o jornalista Aramis Milarch, dizia ter “perfeito entrosamento” com o então vereador e presidente da Câmara Donato Gulin – do PDS, mesmo partido do então prefeito.
A reintegração do transporte em Curitiba e RMC é possível?
Leia a matéria completaGulin, como se sabe, é um dos integrantes da família que detém fatia considerável das concessões de transporte na capital. Algumas empresas ligadas ao sobrenome foram citadas, há alguns meses, como beneficiárias de um esquema que fraudaria licitações de transporte em quase duas dezenas de cidades do país.
Sucessor de Lerner, Maurício Fruet (PMDB, pai do atual prefeito) criou uma Comissão de Verificação de Custos Tarifários, que apontou irregularidades na composição do preço da passagem.
Mas foi sob o sucessor de Fruet, Roberto Requião (PMDB), que a tensão entre prefeitura e empresas chegou ao ponto máximo. Primeiro prefeito eleito da cidade após a redemocratização, Requião tirou das empresas e entregou à Urbs a administração do sistema – algo que perdura até hoje. Também formou uma frota pública de ônibus e passou a remunerar as empresas por quilômetro rodado, sistema que perdurou até o novo contrato firmado em 2010.
Com Lerner de volta ao Palácio 29 de Março pela terceira vez – a primeira como prefeito eleito, em 1988 –, a frota pública foi extinta. E, após uma década atribulada, os anos 1990 marcariam um período de calmaria e bom relacionamento entre prefeitura e empresas de ônibus.
O reajuste tarifário, porém, sempre uma medida impopular, foi manejado de modo a reduzir prejuízos a políticos aliados. Rafael Greca (então no PDT), por exemplo, segurou a passagem no mesmo valor por 14 meses entre 1995 e 96. O aumento viria apenas 28 dias após então aliado Cassio Taniguchi (DEM) ser eleito prefeito em primeiro turno. A passagem subiu 18,2%, maior reajuste desde a vigência do plano Real.
Os anos Richa
Nenhum político paranaense, nos últimos 20 anos, soube usar tão bem a passagem de ônibus como ingrediente eleitoral quanto o ex-prefeito e atual governador Beto Richa (PSDB). Até o final de janeiro de 2004, ele era apenas o vice-prefeito de Cassio Taniguchi, que caminhava para o fim do segundo mandato desgastado por denúncias de caixa 2 na campanha de reeleição, em 2000. No dia 25, Taniguchi decretou que a passagem subiria de R$ 1,65 para R$ 1,90; ato contínuo, viajou para Portugal – ironicamente, para um seminário sobre transporte público.
Prefeito interino, Richa determinou que fosse cassado o reajuste; a tarifa voltava a custar R$ 1,65. A medida deu popularidade imediata ao tucano, e desvinculou-o do bombardeado Taniguchi, com quem rompeu formalmente, à época.
Eleito em outubro daquele ano, Richa assumiu a prefeitura em 2005 e, com 23 dias no cargo, decretou a tarifa domingueira. Em junho, ele baixaria a passagem em dez centavos, ao mesmo tempo em que anunciava a licitação do sistema de transporte. Mesmo com a volta dos R$ 1,90, em abril de 2007, na prática o tucano chegou ao fim do primeiro mandato com o ônibus custando o mesmo que quando ele tomara posse no cargo.
Isso, é claro, ajudou o político a faturar mais quatro anos no Palácio 29 de Março com votação histórica. A fatura viria a seguir: dez dias após tomar posse para a segunda gestão, em 2009, Richa decretou reajuste de 15,79%, segunda maior variação porcentual registrada no Real. Mais grave: os quatro anos sem reajuste acabaram com o equilíbrio financeiro do sistema de transporte, que tornou-se deficitário.
“O equilíbrio econômico do sistema começou a ser quebrado em 2004/2005, com a redução do valor da passagem pelo usuário, sem a devida redução de custo operacional”, disse a atual gestão da Urbs, em documento enviado ao Livre.jor. Além disso, Richa reduziu, a partir de 2005, os pagamentos às empresas. Depois, a prefeitura foi obrigada, pela Justiça, a reconhecer isso como uma dívida.
A dívida valeria às empresas que já operavam o sistema uma grande vantagem na licitação aberta na gestão Richa – elas usaram o que a prefeitura lhes devia como um desconto no pagamento dos R$ 252 milhões que a prefeitura cobrava, como outorga remunerada, das vencedoras. O resultado da licitação, outorgada pelo sucessor de Richa, Luciano Ducci (PSB), em 2010, é o que se sabe: ganharam as empresas que já operavam o sistema de Curitiba, entre elas as da família Gulin.
2012: surge o subsídio
Pupilo político de Richa, Ducci assumiu a prefeitura em 2010, com a renúncia do tucano para disputar – e ganhar – a eleição para governador. Em 2012, era Ducci quem enfrentaria as urnas, e o padrinho resolveu ajudar: fechou acordo com a prefeitura de Curitiba para subsidiar o transporte coletivo da capital com R$ 64 milhões ao ano.
Com isso, Ducci pode aumentar o ônibus de R$ 2,50 para R$ 2,60, embora o custo real por passageiro fosse de R$ 2,80. Era a primeira na história do transporte curitibano que havia subsídio para o sistema de ônibus – medida comum em países desenvolvidos.
O problema é que Ducci perdeu a eleição. Para Gustavo Fruet, desafeto de Richa. O pedetista assumiu dizendo que a prioridade dos primeiros dias de seu mandato seria desarmar a “bomba-relógio do transporte coletivo”. Em anúncio publicado dias antes em jornais, o Setransp, sindicato que representa as viações, dizia que “o transporte coletivo vive a maior crise de sua história”, e que “as empresas [de ônibus] estão em situação financeira gravíssima e pedem socorro”.
Mas, o discurso do governador mudou. “Na história do transporte público do Paraná, nunca houve subsídio de tarifa por parte do governo do estado. Auxiliamos por um determinado momento, mas o governo não pode ser sobrecarregado com mais essa despesa”.
Sem que se chegasse a um acordo para o valor do subsídio a ser pago, em 2015, prefeitura e estado finalmente romperam a gestão financeira da Rede Integrada. A Comec, empresa estadual, passou a gerenciar as linhas metropolitanas, com a redução no itinerário de diversas linhas. A Urbs manteve o gerenciamento das linhas que circulam exclusivamente na capital.
Fruet passou boa parte do mandato em guerra com as empresas. E pode-se dizer que a perdeu. Acusou-as de locaute . Irá completar o mandato, em dezembro, sem ter conseguido que elas comprassem um único ônibus novo para renovar a frota. Com isso, o sistema perdeu qualidade a olhos vistos.
Resta saber, agora, se o realinhamento político entre estado e prefeitura irá mudar o cenário. E, mais importante, se a política eleitoral seguirá afetando o dia a dia de quem usa o que já foi chamado de transporte público modelo.
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