Governo brasileiro quer retirar primeiro crianças e mulheres
Brasília - O chanceler Antonio Patriota afirmou que a retirada de mulheres e crianças brasileiras da Líbia é prioridade para o Brasil. Ontem, os governos dos dois países negociaram a retirada de 123 brasileiros de Benghazi, epicentro dos choques, em um avião fretado.
Entrevista
"Futuro pós-Kadafi é incerto"
Yehudit Ronen, cientista política da Universidade Bar-Ilan, Israel.
Para a cientista política israelense Yehudit Ronen, da Universidade Bar-Ilan, a Líbia já está em guerra civil. Autora de "A Líbia de Kadafi na Política Mundial" (2008), Ronen não parece muito otimista quanto ao futuro do país norte-africano.
Muamar Kadafi pode cair?
Sim, não é mais um cenário imaginário. Agora, há uma guerra civil. A pergunta é a seguinte: se Kadafi for mesmo derrubado, cai só seu governo ou o regime como um todo?
Mas o regime líbio não gira em torno de Kadafi?
Sim, mas ele pode cair e o regime do "Livro Verde" continuar, talvez através de seu filho, Saif al-Islam. Ou através de Shukri Ghanem, presidente da Corporação Nacional de Petróleo, um dos homens mais fortes do país.
Saif parece estar aliado ao pai, mas pode traí-lo?
Com certeza. Ele é jovem, está há anos na cúpula do governo, gerenciando áreas estratégicas. Por ser mais a favor de uma aproximação com o Ocidente, pode acabar sendo aceito como novo líder.
Pode haver ruptura?
A Líbia vive rivalidades tribais antigas. Mas dividir o país não funcionaria, porque o petróleo está concentrado numa área.
Como a senhora vê a Líbia pós-Kadafi?
Precisará passar por estabilização. Hoje, não há credibilidade nas instituições. A Líbia não é como o Egito e a Tunísia, onde há padrões governamentais estabelecidos, independentemente de bons ou ruins. Nesses países, há um cotidiano burocrático, associações e uma sociedade civil que funciona. Na Líbia não. É totalmente incerto o que vai acontecer.
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Líbia - O regime do ditador líbio Muamar Kadafi, no poder há 42 anos, deu ontem sinais de implosão, após seis dias de uma revolta popular que deixou ao menos 400 mortos e já paralisa a capital, Trípoli.
Embora insista em que a insurreição será reprimida "a qualquer custo", o governo enfrenta uma onda de deserções no gabinete, na Chancelaria, nas Forças Armadas e até nas tribos que compõem uma das bases do regime.
Kadafi foi à tevê ontem à noite para rebater rumores, veiculados ao longo do dia, de que teria fugido rumo à aliada Venezuela. A aparição, de alguns segundos, enviou a mensagem de que ele ainda comanda o país.
Mas o uso da violência total contra manifestantes, inclusive com armas pesadas, não impediu o regime de perder o controle sobre áreas inteiras do território nacional, incluindo a segunda maior cidade, Benghazi.
A deserção mais importante até agora é a do ministro da Justiça, Mustafa Abud Al Jeleil. Segundo um jornal governista, Jeleil já se juntou aos protestos em Trípoli.
Dois pilotos da Força Aérea líbia fugiram a bordo de caças até a ilha de Malta, onde pediram asilo político. Segundo a tevê Al Jazeera, oficiais pediram a soldados que abandonassem o regime.
Kadafi, que é o segundo chefe de governo mais longevo do mundo (o primeiro é o sultão de Brunei, há 43 anos no poder), também perdeu aliados diplomatas.
O embaixador-adjunto da Líbia na ONU, Ibrahim Dabbashi, exigiu que o ditador renuncie e pare de "matar a população líbia".
Também teriam desertado os embaixadores na Índia, China, Indonésia e Polônia. No domingo, o embaixador líbio na Liga Árabe renunciou alegando que o regime comete um "genocídio".
A tribo Al Zuwayya, que ampara o regime no controle do leste líbio, ameaçou cortar exportações de petróleo se o governo não puser fim à "opressão dos protestos". As amplas reservas de petróleo sustentam o Estado líbio.
Cerco Total
A mídia internacional enfrenta dificuldade para cobrir os conflitos, já que os raros jornalistas estrangeiros no país estão proibidos de sair da capital. Está banida a entrada de qualquer profissional de mídia no país.
O regime cortou a internet e praticamente inviabilizou a comunicação com telefones no exterior.
Testemunhas e ONGs de direitos humanos dizem que caças e helicópteros atacaram civis em Trípoli e Benghazi, o que foi negado por Saif al Islam, filho do ditador. Segundo a tevê Al Arabiya, 160 pessoas morreram ontem em choques só na capitalpara fazer estoques de alimentos.
Grupo defende queda de líder
Um grupo de oficiais do Exército líbio divulgou um comunicado pedindo que seus companheiros "se juntem ao povo" e ajudem a derrubar o líder Muamar Kadafi, informou a rede de televisão Al Jazeera. O canal de notícias disse também que os soldados fizeram um apelo para que o restante do Exército da Líbia marche para a capital Trípoli.
Guardas líbios abandonaram os postos na fronteira com o Egito, cujos militares montaram dois hospitais de campanha na região fronteiriça, informou o Exército egípcio pela sua página do Facebook.
O Exército disse ter instalado acampamentos e hospitais perto do posto fronteiriço de Salum, a fim de atender egípcios que regressem da Líbia, onde há violenta repressão a manifestantes antigoverno.
A agência estatal egípcia de notícias afirmou que 4 mil cidadãos do país já cruzaram a fronteira, e que muitos outros não conseguem regressar devido à escassez de veículos e combustível.
Em tempos normais, muitos egípcios buscam emprego na vizinha Líbia, país com grande produção de petróleo.