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O desfile da Indepen­­dên­­cia em Brasília retratou as dubiedades do Brasil: no asfalto lembrava as paradas escolares mambembes dos grotões, com as bandas formando Babel, misturando músicas e ritmos, algumas balizas fa­­zendo movimentos e acrobacias sem graça, vendedores, punguistas. Salvou essa parte da festa, a emoção intensa dos velhos pracinhas da FEB a lembrar que participamos, ainda que serodiamente, da luta contra o totalitarismo e o garbo dos Dragões da Inde­­pen­­dência. No palanque oficial a presença do presidente da França acentuava a ausência da sua primeira-dama. A França não estava inteiramente representada sem a italiana que canta em francês.

A Patrulha da França, uma es­­quadrilha acrobática aérea, deu a graça da presença por um mi­­nuto, deixou fumaça colorida e desapareceu lépida, frustrando a expectativa de uma exibição emocionante. Em contrapartida, a Esquadrilha da Fumaça fez es­­petáculo belíssimo, de arrancar suspiros e ovação da multidão. Entre as passagens dos aviões de alta performance, os dedos apon­­tados para o céu, as exclamações "é o 14-Bis!", acompanharam uma réplica do Demoiselle no voo moroso pelo Eixo Monumental, com a leveza e transparência de libélula. Do engenho e arte de Santos Dumont nasceu a beleza e funcionalidade da armação de seda e bambu que inaugurou a modernidade.

Ao apreciar aquele voo, percebi que além de ser o marco zero da indústria da aviação, ele simboliza forte vínculo entre França e Brasil. Os sorrisos presidenciais, as tratativas para comprar subma­­rinos, helicópteros e aviões mi­­litares, são expressão de ligações pessoais e institucionais que têm em dom Pedro II e Alberto Santos Dumont figuras emblemáticas. Porém a amizade, o compartilhamento de mo­­mentos históricos importantes, não deve ser o móbil exclusivo para o aparelhamento da Defesa brasileira. Esses liames são belos, mas podem ser liaisons dangereuses no momento de decidir despesa maior que o orçamento do Paraná. Armas são prêt-à-porter por natureza, não são chiques, não há griffe.

A decisão de comprar equipamento francês deve ser pautada pela memória do Demoiselle: obra simples e funcional, industriada com conhecimentos e habilidades dominadas por brasileiros. É fundamental ter em vista que não se trata de ir ao mer­­cado para fornir a despensa; não é ato de mero consumo. Há uma questão de princípio que vai muito além da mera reposição do equipamento militar: a ascensão tecnológica, a capacidade de fazer bens sofisticados em nossas fábricas. Nos anos 80 floresceu o parque fabril de equi­­pamento militar de São José dos Campos, em paralelo à Em­­braer. Equí­­vocos políticos puseram a perder toda a ciência e tec­­nologia ali desenvolvida. Caso mantida a linha evolutiva, poderíamos hoje colocar satélites em órbita com foguetes brasileiros; os que fabricamos atualmente mal e mal servem para festejos juninos.

A aquisição e produção de armamento avançado não devem ser feitas, por outro lado, como resposta às compras feitas pelo belicoso Chávez. Não se trata de corrida armamentista entre pobres. O projeto deve ter em perspectiva a defesa do território e, sobretudo, da oportunidade para desenvolvimento de inteligência brasileira, condição indispensável à integridade do Brasil. A independência não provém da posse de armas; isso os brutos também têm. A independência política e econômica é construída e mantida com refinamento intelectual a Santos Dumont, capaz de produzir inovações que mudam o curso da história.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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