O STF, em primeiro plano, e o Congresso Nacional, em segundo| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado/Arquivo

O Brasil chega ao recesso de final de ano mergulhado na maior crise institucional desde a redemocratização. A “guerra” entre os poderes Judiciário e Legislativo não tem dado trégua e ainda deve render novos capítulos em 2017. O clima de tensão em Brasília ganha novos ingredientes a cada dia e nem dentro dos poderes há uma união capaz de apaziguar os ânimos.

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O mais novo episódio para agravamento da crise deixou o clima ainda mais pesado entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), além de acirrar ainda mais os ânimos dentro da Suprema Corte, que já não estavam exatamente calmos desde a decisão do ministro Marco Aurélio Mello de afastar Renan Calheiros (PMDB) do comando do Senado – decisão parcialmente reformulada dois dias depois pelo plenário do Supremo, e após Calheiros se negar a cumprir a ordem judicial.

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O principal personagem da crise é o próprio Renan Calheiros, que parece ter saído vencedor, por enquanto, da batalha com o STF. Em uma tentativa de apaziguar a crise institucional, o presidente Michel Temer (PMDB) e a presidente do STF Carmen Lúcia costuraram uma solução intermediária para o problema do afastamento de Calheiros da presidência do Senado. O senador continuou no Comando da Casa, mas impedido de assumir a Presidência da República em caso de vacância do presidente Michel Temer.

A tentativa de apaziguar os ânimos, porém, foi frustrada. Nesta quarta-feira (14) outro ministro do STF, dessa vez Luiz Fux, cutucou o Congresso com uma nova decisão. Ele determinou que o projeto das “Dez Medidas Contra a Corrupção” volte a tramitar da estaca zero na Câmara dos Deputados.

A decisão, porém, teve repercussão negativa dentro do próprio Supremo. O ministro Gilmar Mendes criticou a decisão do colega. “É um AI-5 do Judiciário”, afirmou. “Dizer que o Congresso tem que votar as propostas que foram apresentadas e só? Então é melhor fechar o Congresso logo e entregar as chaves. Entrega a chave do Congresso ao [Deltan] Dallagnol [coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba]. Isso aí é um AI-5 do Judiciário. Nós estamos fazendo o que os militares não tiveram condições de fazer. Eles foram mais reticentes em fechar o Congresso do que nós”, disse Gilmar Mendes.

O presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM) reagiu à decisão de Fux. Maia disse que a Câmara considera uma interferência e que a decisão vai gerar “insegurança jurídica” sobre todos os temas aprovados pela Casa. “Estou muito convencido de que há muitos problemas na decisão do ministro Fux e queremos mostrar isso a ele. Não queremos nenhum tipo de conflito, de um estresse maior do que já tivemos nos últimos meses”, disse Maia.

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O presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB) também partiu para o ataque. Ele afirmou que a decisão de Fux “invade a competência do processo legislativo”. E a Casa também recorreu para desfazer a decisão que Renan classificou como “indefensável”.

Vitória

Enquanto isso, no Senado, Renan Calheiros terminou o mandato de presidente visivelmente satisfeito. Ele tem para comemorar não apenas a aprovação do teto dos gastos e da renegociação da dívida dos estados, pauta central do governo Temer, mas de boa parte de sua própria pauta, chamada Agenda Brasil. Projetos que considerou prioritários, mas estavam empacados — como a nova lei das licitações, que impedirá o TCU de paralisar obras suspeitas, e o pacote contra os supersalários.

Na última semana de Brasília, Renan parece ter aproveitado para dar o troco ao ministro Marco Aurélio Mello, autor da liminar que tentou afastá-lo da Mesa, ao aprovar o projeto que inibe os supersalários — assunto que, segundo Renan, faria Mello “tremer na alma”. Por outro lado, fez questão de mandar publicar no Diário do Senado, no início do mês, decisões suas favoráveis a Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Ele arquivou duas denúncias por crime de responsabilidade contra os ministros.

Para especialista, “crise acaba na semana que vem”, com saída de Renan

  • Brasília

Especialistas ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo divergem sobre o futuro da crise institucional, entre Judiciário e Legislativo. Para o professor David Fleisher, cientista político da Universidade de Brasília (UnB), o conflito já tem data para terminar, “na semana que vem”, quando começa o recesso parlamentar e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sai de cena. “O Renan é o pivô da crise, não há dúvida. Sem poder, sem a presidência do Senado, ele não vai ter forças para levar adiante os projetos de lei que ele tenta colocar”, opinou Fleisher.

Renan só volta a sentar na principal cadeira da Casa em fevereiro de 2017, quando imediatamente é obrigado a convocar eleições para definir o novo comando do Legislativo. A vaga deve ficar com o PMDB e, dentro da bancada, o peemedebista Eunício Oliveira (CE) é o mais cotado. “Ele [Eunício Oliveira] tem outro estilo, não vai comprar a briga que o Renan está comprando. Sem Renan, as coisas vão se acalmar”, disse o especialista da UnB. Assim como Renan, o nome de Eunício Oliveira também apareceu no âmbito da Lava Jato, na delação de Cláudio Filho, da Odebrechet.

Já o professor Mário Sérgio Lepre, cientista político da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, acredita que a solução para a crise institucional deve partir do Judiciário, dos magistrados e também dos membros do Ministério Público, “que precisam ser mais cautelosos”. “Não é papel do Deltan Dallagnol [coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, no âmbito do Ministério Público Federal] ir para a televisão e dizer que vai renunciar se o presidente Temer não vetar determinado projeto de lei”, apontou o professor.

Para ele, decisões como a do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, que mandou a Câmara dos Deputados fazer uma nova análise do projeto de lei das “Dez Medidas Contra a Corrupção”, ou como a do ministro Marco Aurélio, que tem cobrado o trâmite de um pedido de impeachment contra o presidente da República, Michel Temer, também “são absurdas, porque interferem em atribuições que são próprias do Legislativo”. “Os ministros do STF não podem jogar para a plateia. Isso é perigoso e me preocupa, porque a crise pode se agravar. Imagina se o Senado resolve votar o impeachment de um ministro do STF? Eles têm tal prerrogativa”, completou ele.

Ainda de acordo com o especialista da PUC, há um “pano de fundo” importante nesta crise institucional: “a questão dos privilégios”. Para Lepre, propostas como a revisão da Lei do Abuso de Autoridade ou o pacote contra supersalários são “importantes para o país”. “Por causa da briga com o Judiciário, o Renan acabou desengavetando propostas que mexem com privilégios e precisam ser discutidas. Há males que vem para o bem”, ressaltou ele.

A aprovação pelo Senado do pacote com três projetos para coibir o pagamento dos chamados supersalários no serviço público foi vista por entidades que representam juízes e promotores como uma retaliação do Congresso em resposta às ações do Judiciário no combate à corrupção. A inclusão de auxílio-moradia e outras gratificações no cálculo para apurar os pagamentos que extrapolam o teto constitucional atinge principalmente os salários dos magistrados e do Ministério Público, que utilizam esses recursos para driblar o teto constitucional.

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Papel do MPF

O Ministério Público Federal (MPF) tem sido responsável por jogar mais lenha na fogueira durante a crise institucional. O principal personagem é o coordenador da força-tarefa da Lava Jato Deltan Dallagnol, que assumiu o papel de protagonista na “guerra” com o Poder Legislativo e parece estar em uma cruzada contra os parlamentares.

Assim que o projeto desfigurado das “Dez Medidas Contra a Corrupção” foi aprovado na Câmara, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba convocou uma coletiva de imprensa para anunciar que os procuradores renunciariam coletivamente ao caso se o Congresso insistisse em aprovar as medidas como estavam.

Em nota, os procuradores escreveram que o objetivo da ação do Congresso é “estancar a sangria”. Citada entre aspas, a frase é uma clara referência à fala do ex-ministro e atual líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR), que foi gravada pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Na conversa, o senador afirmou que uma “mudança” no governo resultaria em um pacto para “estancar a sangria” atribuída à Operação Lava Jato.

O presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB) não deu ouvidos à ameaça da Lava Jato e tentou aprovar o projeto vindo da Câmara em regime de urgência, mas a manobra não deu certo. No dia seguinte, o juiz federal Sergio Moro comprou a briga do MPF e disse no plenário do Senado que “emendas da meia-noite não são apropriadas”. Ele estava lá para discutir outro projeto considerado perigoso pela força-tarefa: as novas regras para o abuso de autoridade.

Engajada na luta contra o Congresso, a Lava Jato segue acompanhando os desdobramentos dos projetos anticorrupção e de abuso de autoridade. Os procuradores chegaram a conseguir costurar com o senador Randolfe Rodrigues (Rede) um texto alternativo para o abuso de autoridade, que foi apresentado como emenda substitutiva ao projeto de relatoria do senador Roberto Requião (PMDB).

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Força da sociedade

O MPF tem sido bem sucedido na tentativa de engajar a sociedade em sua defesa, como ficou comprovado nas manifestações do dia 4 de dezembro, quando milhares de pessoas foram às ruas pedir a saída de Renan Calheiros (PMDB) da presidência do Senado. Nesta quarta-feira (14) o coordenador da Lava Jato Deltan Dallagnol usou as redes sociais para criticar a tentativa de Renan Calheiros de aprovar o projeto de abuso de autoridade no Senado e chamou novamente à sociedade em defesa do MPF.

“Passamos o dia trabalhando duro para concluir duas denúncias e fechar um grande acordo de leniência. Agora, de noite, percebo que alguns senadores passaram o dia trabalhando duro no Senado para derrubar tudo o que fazemos aqui. Congresso: nos deixem trabalhar. Sociedade, precisamos de vocês”, postou Dallagnol.